Divertida Mente (Inside Out) – Direção: Peter Docter, Estados Unidos, 2015.
Telma Pereira Lenzi. Diretora Geral do Movimento – Clínica e Escola de Psicologia Sistêmica.
Presidente da Ong ASSIM – Associação Instituto Movimento.
Florianópolis, Santa Catarina. Brasil.
Peter Docter, diretor do filme Inside out (Divertida mente) encontrou em sua auto referência a inspiração para este longa da Pixar para crianças e adultos de todas as idades.
Ao tentar compreender o que ocorria na mente de sua filha de 11 anos, que a cada dia demonstrava mais introspecção e silêncio, Peter e sua equipe de animadores se inspiraram e ousaram nesta narrativa.
Personificaram as emoções, criaram paisagens internas e desenvolveram uma narrativa para explicar o funcionamento da mente humana, a partir de pesquisas e de suas próprias experiências vividas.
Criaram uma narrativa organicista, que categoriza locais, pontes e estruturas mentais, mas que abre conversações com a pós modernidade ao se aproximar da noção de self narrativo que dialoga, em constante construção e não essencialista.
Esta é a visão pós moderna de Self (GERGEN, 1994; MCNAMEE & GERGEN, 1999; LENZI, 2013).
O mundo criado pela mídia no final do século XX afetou as maneiras pelas quais os indivíduos e os grupos interpretam seus mundos interpessoais e pessoais.
Essas transformações conduziram a um novo olhar socio cultural do self. Sendo este o lugar das práticas do construcionismo social: um self narrativo, constituído a partir da linguagem com ênfase no que é compartilhado que dialoga em múltiplas vozes, os Personagens Internos. Este é estruturado por sua coerência e senso de realidade, pois é produto de relações situadas que aceitam ou rejeitam possíveis descrições de identidade da pessoa, como as ilhas de personalidade do filme, sustentando formas de vida em uma relação de coautoria, que respeita convenções sociais, crenças e tradições locais, produtos de um contexto social, mantidos pelas pessoas construindo realidades e sustentadas por meio da interação social, como visto por interações com o esporte, a família e as palhaçadas da personagem do filme (GERGEN, 1994; LENZI, 2013).
Voltando ao filme, o enredo nos convida a imaginar a mente como um espaço dialógico, onde coabitam pensamentos, ou várias vozes, os Personagens Internos, representados no filme por algumas de nossas tantas emoções, por ilhas da Personalidade, pela terra da imaginação, pelos obreiros, amigo imaginário, trem dos pensamentos, etc.
Diálogo, interação e compartilhamento marcam o cotidiano dos Personagens Internos (LENZI, 2013).
Transformações mútuas e parcerias conversacionais se tornam o caminho para a dissolução das adversidades vividas (ANDERSON, 2009).
Ao ser dada voz a cada um dos Personagens as diferenças cedem lugar para as competências e se faz possível a construção de novas narrativas desalienantes, compartilhadas por todas as vozes (MCNAMEE & GERGEN, 1999; LENZI, 2013).
Intenso e rápido, cheio de simbolismo nas cores, nas interações e movimentos, o filme desconstrói verdades universais:
A Personagem Alegria não é só positiva, com espaço demais pode virar triste. Necessitando interagir com outras vozes, e somar competência com a Tristeza, por exemplo.
A Personagem Tristeza não vive só de lágrimas e queixas. Em interação com a Personagem Alegria consegue ver o seu valor de propiciar momentos introspectivos, de contato com novos conhecimentos e expressão de emoções mais densas.
A Raiva sozinha aumenta o conflito, traz a reatividade. O Medo sozinho não modifica as situações adversas. A missão de proteção contra os venenos do mundo vira ataque se a Personagem Nojinho está no comando.
McNamee e Gergen (1999) estimulam interações com os muitos dentro de nós. A partir desse entendimento podemos invocar vozes marginalizadas, no objetivo de conhecer quem tem que posicionamento; quem discorda; quem apoia; quem é calado; quem sofre; o que justifica uma voz dominante; e como facilitar outras a participarem do diálogo.
Como no filme, a possibilidade de ampliação dos diálogos internos é de construção de novas formas de viver que já existem nas pessoas, estimuladas pelo exercício de ouvir todos os seus personagens internos e entender experiências de forma complexa. A construção de um conhecimento mais rico é inerente ao processo.
E dentro desta narrativa, através de um espaço dialógico, com simetria e compartilhamento cada um dos Personagens desenvolve seu potencial, transformando e sendo transformados por estas conversações.
Esse é nosso mundo.
Somos muitos dentro de nossa paisagem interna e buscamos uma forma de vida vivida com bem estar.
Bem estar requer ampliar as conversações internas nos momentos que percebemos os monólogos e embates geradores de barulho em nosso self.
Requer a construção de um espaço dialógico de respeito, simetria e compartilhamento entre todos as nossas vozes, os Personagens Internos.
Chame seu Personagem criativo e, através da imaginação, dê voz a novos Personagens Internos.
Às vezes precisamos de um(a) terapeuta interna para facilitar conversações internas transformadoras.
Às vezes precisamos dar voz a Personagens esquecidos, como por exemplo a Criança Interna, a Tristeza ou a Corajosa.
Outras vezes precisamos do Personagem Silêncio, para acalmar nossos diálogos internos barulhentos e improdutivos.
E desta forma tanto no mundo real como em nossas paisagens internas as relações e as conversações se estabelecem.
Se tem algo em sua forma de vida que não lhe agrada, olhe para sua paisagem interna e observe a forma da interação de seus Personagens Internos.
Mudando seu mundo interno, você muda o seu mundo.
Referências bibliográficas:
ANDERSON, H. (2009). Conversação, linguagem e possibilidades: um enfoque pós-moderno da terapia. São Paulo: Roca.
GERGEN, K. J. (1994). Realities and relationships: soundings in social. Construction. Cambridge, MA. Harvard university press.
MCNAMEE, S. GERGEN, K. J. (1999). Relational Responsability. Resources for sustainable dialogue. Sage Publications. Thousand Oaks, CA.
LENZI, T. P. (2013). Personagens internos. Revista Nova Perspectiva Sistêmica, 47ª edição, (p. 86-98).