Ele apareceu a noite. Porque nas madrugadas todos os nossos barulhos tendem a criam formas, o que não foi falado grita, o que fingimos não ver, diz: – ‘Oi, to aqui’! Ele colocou algo em volta do meu abdômen, apertou forte e puxou. Acordei com um sobressalto e só via o escuro, o nada, o pior cenário: vazio, interrupção de tudo o que amo na vida, ausência de sentido.
Respiro fundo, situo onde estou. Respiro de novo e vou reconhecendo as poucos essa sensação. Percebo sua presença. É ele, meu Personagem Interno MEDO.
Poxa. Podia ter pedido espaço mais gentilmente, sem tanto estardalhaço. Penso já respirando mais aliviada. Mas tem coerência. Não tive tempo nem qualidade pra conversar com ele nos últimos dias, então ele chegou gritando assim.
Este é o meu medo.
Eu o conheço bem e tenho gratidão pelo seu papel de protetor. Só quando não é escutado é que vira autoritário, trágico, carente de atenção, demandante de ser acalmado com bons argumentos.
Sentei para escutá-lo as 4 da manhã e ouvi a lista de riscos, elementos criadores deste pior cenário de escuridão. Chamei outras vozes internas para dialogar com ele no meu self: a coragem, que está sempre junto do medo, a acolhedora, a reflexiva, a gentil, a esperança. E seguimos em diálogos internos.
A cada risco levantado, refletia sobre possibilidades alternativas que poderia fazer ou até que já estava fazendo. A cada aflição mostrava pontos desapercebidos de possibilidades que aumentavam minha fé e tranquilidade. Diante do cenário de imprevisibilidade que estamos vivendo, conversamos sobre as dores das pessoas e como criar mecanismos online para continuar ajudando. Reforçamos a esperança em um mundo pós-pandemia mais solidário, menos individualista. Ideias novas, lembranças, pontinhos de luz, foram recompondo aquele cenário inicial vazio em futuros possíveis mais úteis, embalado na tão necessária ilusão do seguir adiante. Ele o medo, se tranquilizou e me devolveu o sono interrompido.
Esse é o meu medo, esse é o pior cenário que ele me apresenta nesse contexto da pandemia. E apresentei a vocês, resumidamente um (o meu) itinerário de lidar com ele e transformar cenários internos.
E com você? Como o seu medo se apresenta? Ele chega assim interrompendo a madrugada? Ou lhe acompanha durante todo o dia? Ele rouba a paz, a criatividade, produtividade, sua percepção de desempenho? Ou ele vem disfarçado de procrastinação?
Ah! O medo pode roubar sonhos, vida, projetos de bem estar e criar caminhos de se auto realizar.
Se você tem muito medo de ficar doente, essa tensão pode baixar a imunidade e gerar adoecimento.
Se tem muito medo de fracassar ou perder algo, a tensão gerada pode prejudicar o discernimento da atitude correta e consequentemente seu desempenho.
Você aceita o convite de criar intimidade com o seu medo?
Reconheça-o como uma voz interna sua, um Personagem Interno.
Perceba qual o pior cenário que ele apresenta e suas consequências mais desastrosas.
Invista em conversas internas para um enfrentamento gentil do medo que ajudem a dissolver a tensão gerada por ele, questionando e refazendo esse cenário negativo colocando aspectos positivos reais e de possibilidades futuras.
Cada um é único e singular. Cada um traz para essa crise da pandemia, sua história pessoal, seus recursos, resiliência, assim como suas dívidas consigo mesmo, pendências, lentidões e velhos e conhecidos medos que insistem em aumentar seus volumes internos bem agora. Nesse momento, temos muito pouco poder no mundo externo. Então o convite é olhar para o Mundo Interno, suas vozes, seus pensamentos em diálogos, suas emoções.
Mantenha seu medo como coadjuvante. Chame para o protagonismos desse momento já tão difícil, vozes que sejam acolhedoras com você..
O mundo novo vai precisar muito de cada um de nós. Por isso cuide primeiro de você, depois do outro. Nos lembra a metáfora da máscara de oxigênio.
Se correr o bicho pega
Se ficar o bicho come
Se enfrentar o bicho some
Telma Lenzi
Abril /2020