Quero falar com as mulheres.
Mulheres que recém receberam o diagnóstico de Câncer de mama, que estão passando ou já passaram por essa doença.
Ou com você que perdeu uma pessoa muito amada para o câncer de mama.
Eu tenho legitimidade nesse lugar de fala.
Eu também sou uma sobrevivente do Câncer de mama.
O câncer de mama é o tipo de câncer que mais mata mulheres no País.
Em 2018 – 17. 500 mulheres morreram no Brasil por causa do Câncer de Mama.
Se espera para os próximos 12 meses, 66.000 novos casos de câncer de mama, diagnosticados.
Então, se você não é uma sobrevivente, não está passando por isso, nem perdeu alguém pro Câncer, você não está livre de vivenciar uma dessas situações.
Minha intenção não é assustar, é conscientizar.
Trazer o tema para o diálogo, pra quebrar o estigma, o tabu sobre a doença CÂNCER, para tirá-lo das margens e, também por outro lado, questionar a sua glamourização.
Eu sou uma sobrevivente em uma condição de privilégio.
Classe média alta, plano de saúde particular, irmão médico Mastologista, amigos médicos que agilizaram o caminho para mim, em 9 dias – após o diagnóstico já tinha feito a cirurgia.
Todas sabemos que a possibilidade de cura está diretamente ligada se foi descoberto em seu estágio inicial.
Mas o diagnóstico precoce depende do conhecimento, da consciência da importância do auto exame.
E de nada adiantará se a mulher não puder ter a confirmação dos exames complementares, que dependem de agendamentos, equipamentos e profissionais especializados.
Do meu lugar de privilégio e conhecimento, percebi o câncer de mama pelas minhas mãos, pelo auto exame a 10 anos atrás.
O auto exame está nas possibilidades de todos, mas nem sempre é eficiente.
E a sequência do diagnóstico e tratamento, ah essa não é para todas.
Que violência!
A Lei previa 60 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento do câncer em pacientes do SUS. Agora o prazo foi alterado para 30 dias.
Porém, o Instituto Oncoguia cita que 60% dos casos de câncer no Brasil só são descobertos em estágio avançado, com chances menores de sobreviver.
Não há intenção política, ações suficientes para prevenir e nem orçamento para mudar essa realidade. Não há equipamentos e nem profissionais para essa demanda.
Então pra que serve a Lei se ela por si só não vai criar uma nova realidade?
E a realidade das mulheres do Brasil é essa.
Não é para todas o privilégio.
A glamourização do câncer de mama nas redes sociais, aponta os privilégios: Tratamentos multidisciplinares, apoio total de suas redes pessoais e familiares, lindos lenços, maquiagens perfeitas, perucas importadas, sorrisos para foto.
Na contramão desta realidade está a maioria das mulheres brasileiras.
Elas não tem plano de saúde e depende do SUS.
Foram diagnosticadas e não conseguem marcar a cirurgia.
Enquanto esperam, a doença diminui drasticamente suas chances de sobreviver.
Após a cirurgia seguirão aguardando em longas filas para o tratamento complementar, medicações.
Não terão atendimento de suporte multidisciplinar.
Terão que seguir dando conta da vida, da casa, dos filhos e a licença do trabalho reduz seus ganhos.
Mas as despesas com a doença, o medo e a dor só aumentaram.
Em uma ponta da balança, mulheres sem privilégios e desassistidas pelo estado.
Na outra ponta mulheres privilegiadas.
Em que ponto desta curva estamos?
Como podemos diminuir a violência contra a mulher?
O que cabe a mim e a você que me escuta?
Falar, falar, dialogar, trazer esse assunto para a consciência de todas, todos e todxs.
Não se conformar com essa realidade.
Manter a sua indignação, denunciar para gerar novos conhecimentos e revolucionar o sistema de dentro.
Das trocas do um a um podemos criar novas realidades, com acesso que privilegiem a todas as mulheres.
Pressionar o Estado pelos meios que sejam possíveis a você.
Apoiar as causas femininas e feministas.
A poiar a Rede feminina de combate ao câncer, a AMUC, o Cepon, o Mama Solidária, todas as iniciativas que gerem possibilidades de mudança.
Enfim não sentar na cadeira macia da zona de conforto dos privilegiados.
Por favor,
Se cuide, se toque.
Não seja a mulher que dá conta de tudo, além da conta.
Seu corpo vai querer parar.
E a doença, ou a morte pode ser uma narrativa de paz, de descanso.
A doença pode ser encarada como um ponto de mutação.
Um marco em nossa biografia que pode nos trazer mais clareza de propósito pelas grandes lutas pessoais e sociais.
E se você está passando pela doença, já passou como eu, ou perdeu alguém, que boa causa para lutarmos juntas, não?
Voce aceita o convite?
Telma Lenzi
8/10/2020