O suicídio é social e precisam existir outros caminhos

Mike tirou a própria vida. No dia do seu funeral, tinha uma cesta de cartões com fitas amarelas presas neles […]

Mike tirou a própria vida.

No dia do seu funeral, tinha uma cesta de cartões com fitas amarelas presas neles bem na chegada, disponível para quem quisesse pegá-los.

Os 500 cartões foram feitos pelos amigos de Mike e neles estava escrito: se você precisar, peça ajuda. Foi em um mês de setembro. Assim começou o Setembro amarelo.

Como um movimento, uma grande rede de apoio disponível, uma campanha que incentivava aqueles que têm pensamentos suicidas a buscar ajuda.

Eu questiono campanhas temporárias. Precisamos de ações permanentes.

Precisamos que o suicídio seja identificado como prioridade.

Florianópolis está entre as 6 cidades do Brasil com maior número de suicídios. E o Brasil é o 9º  país com mais suicídios entre os jovens do mundo.

Não seriam números suficientes para mobilizar investimentos, políticas públicas, ampliar as redes de atenção psicossocial?

Temos um problema de saúde pública e podemos nos prevenir quanto a ele.

 

O que falta?

Talvez antes disso se faça necessário questionarmos os preconceitos, o estigma quanto à saúde mental: “suicídio é fraqueza, falta de caráter, de fé”.

Infelizmente é o que muitos ainda pensam, ou dizem.

Esse estigma não permite que as ações de prevenção sejam amplamente validadas e realizadas pelos gestores, o que dificulta a alocação de recursos. Precisamos de ações contínuas, coordenadas e de grandes redes de apoio.

Não se noticia suicídio pelo medo de causar o chamado “Efeito Werther” ou suicídio por imitação.

A Organização Mundial da Saúde, obviamente, desaconselha que a mídia exponha métodos ou processos de suicídio: para evitar que esta exposição incentive outras mortes.

Entretanto eu repenso esse temor que gera silêncio sobre o assunto.

 Os suicídios não são causados pelas notícias de outros suicídios. As pessoas que tiraram a própria vida ao ver esse tipo de notícia já tinham esse plano de fuga.

Falar sobre o assunto é extremamente importante justamente para que possamos reduzir o número de pessoas vulneráveis,  o diálogo primeiro passo.

Quebrar o silêncio, quebrar o tabú e o estigma.

Quem planeja um suicídio não quer acabar com a própria vida, mas sim com a dor e o sofrimento que faz com que este plano de fuga surja nos diálogos internos, nos pensamentos.

Todos temos este Personagem guardião do plano de fuga. Você conhece o seu?

Ele costuma dizer: “se tudo der errado vou fugir p’ro interior, p’ro mato, ser diarista em outro país, ou… vou tirar a minha vida.”

Esta voz estará sempre conosco como uma alternativa de paz no conflito máximo da vida. E ela passa a ser perigosa quando age sozinha em monólogos internos.

Quando não há outras vozes internas para, juntas, construírem outros caminhos.

Quando as vozes internas saturadas não encontram no contexto, na comunidade externa, atualizações dialógicas que possam co-construir outros cenários possíveis de viver com legitimidade nossas singularidades.

Deste ponto de vista, o  suicídio não é um ato individual, isolado. Ele é social.

O ato e as consequências estão envolvidos em um complexo emaranhado de interações.

Quem é essa dor que leva um pessoa a querer interromper a sua vida, sua convivência em seu contexto em seu mundo?

A dor de andar na linha da esteira industrial de cumprir o padrão do esperado social, algo impossível para alguns de nós.

Igualmente a dor de quem desceu da esteira, de quem vive à margem e solitário buscando construir uma vida singular. Destrói a auto estima que é construída socialmente.

As verdades são construções sociais temporárias, apenas ideias. E uma sociedade que não permite que você viva a seu modo a sua vida, mata. Se não é permitido viver, uma alternativa é morrer.

Para vivermos com bem estar, precisamos de uma comunidade que nos legitime. Precisamos de aceitação para nossas angústias, questionamentos, boas loucuras, singularidades e similaridades.

Ah! Mas a dor não acaba no ato de tirar a própria vida. Pelo contrário, se multiplica. Na família, na mãe, no pai, no filho, no amor da vida de alguém, nos amigos, enfim a dor não morre junto.

Ficam aqui as minhas perguntas para quem está pensando em tirar a sua vida neste momento:

  • Você conhece sua voz interna, o seu Personagem Interno e o seu plano de fuga?
  • Com quem internamente você dialoga e constrói suas possibilidades, os seus itinerários?
  • Externamente, onde estão as pessoas que  pensam parecido com você, sua comunidade, que você poderia convidar para conversar, participar dos caminhos desta decisão?
  • Você já foi escutado?
  • Você já lutou o suficiente pelo seu direito de viver sua singularidade, num mundo de padrões tão determinados?
  • Que ilusões e desilusões você criou na sua vida que mobilizou esta escolha?
  • Não é possível mudar as circunstâncias?
  • Mudar de profissão, trabalho, parceira(o), de método de aprender coisas novas, de vida, de país, de pele, de sexo?

Se você já tentou, pensou, viveu  estas questões e não deu, eu te entenderei.

Somos todos responsáveis.

Como podemos nos responsabilizar por práticas relacionais diferentes, com mais escuta, tempo e aceitação do outro?

Podemos gerar comunidade, gerar  intimidade e contribuir no nosso contexto, para a diminuição das discriminações, preconceitos e opressões que sofrem os que se diferenciam do padrão?

O suicídio é social. Outros caminhos precisam existir.

Telma Lenzi | 18/9/2020

 

 

 

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