A fala de alguém espera por acolhimento na escuta do outro. Algo precioso na convivência, nos relacionamentos, na sobrevivência emocional, na cidadania. Ser escutado. Ser suplementado, ser validado pelo silêncio respeitoso do outro. Ser reconhecido, aceito pela presença radical do outro, que o acolhe.
A escuta das dores, aflições e sofrimentos. A escuta do imprevisível, do improvável revelando vulnerabilidades, Personagens Internos não permitidos, incoerências e humanidades.
A escuta é se aproximar e simplesmente estar. Compreender a perspectiva diferente do outro legitimando sua existência, seus sentidos e significados historicamente construídos.
A habilidade de escutar convida que renunciemos ao exercício do poder e da colonização sobre o outro. Tanto quanto permitir ao outro a autoria de suas ressignificações.
Não convida à concordância nem à discordância. Não nos obriga a dor de conviver com o muito diferente de nós. A escuta só acolhe, legitima o outro tão diferente de nós.
Porque escutar o outro parece cada vez mais raro e difícil no nosso cotidiano? Porque escutar o outro nos coloca na condição de escutar a nós mesmos.
O que escuto dentro de mim quando alguém fala algo diferente de minhas verdades e perspectivas?
A escuta do outro começa pela escuta de si — e de como as diferenças evocam e ressoam questões não formuladas em nós.
E, ao não conseguirmos ampliar a polifonia de vozes que nos habitam e que dialogam com o outro, tendemos a simplificações preconceituosas e de micro violências: ele está errado. Ela tem que mudar. Eles devem pensar diferente.
Logo, escutar é aprender sobre si mesmo. Aprender sobre si mesmo é perder- se de si mesmo, de seus condicionamentos. E, no perder-se de si mesmo, de nossas verdades limitantes, nos encontramos em nossas humanidades, vulnerabilidades, para estarmos com o outro, para estarmos no mundo.
O silêncio na escuta nos ajuda a responsividades mais gentis, evitando Personagens Internos prontos para sentenciar julgamentos. Nos permite escutar também o que o silêncio do outro, está querendo nos dizer.
No silêncio as emoções reverberarão encontrando ressonâncias comuns entre quem fala e quem escuta. No silêncio também as palavras do outro reverberarão no outro e ele poderá escutar a si mesmo contando de si.
E escutar a si mesmo falando de si, para alguém que nos escute radicalmente já é generativo e transformador.
Ah! Escutar é uma arte para viajantes curiosos e corajosos.
Compartilhar escutas é estar em diálogos. E, sem dúvida, o melhor entretenimento são as boas conversas.
E quando perdemos essa capacidade, outras formas de distração ganham espaço e somos manipulados pela cultura do consumo de bens, drogas, roupas, imagens, sorrisos para fotos, ou palavras vazias.
A escuta é um ato político revolucionário.
Precisamos dizer não as tentativas de sermos colonizados e colonizadores de pessoas e corações.
Telma Lenzi | Setembro 2020