Viver sem Culpa: de olho no nosso General Interno

O nosso mundo tem uma tendência de nos dividir assim, binariamente: O forte e o fraco o bom e o […]

O nosso mundo tem uma tendência de nos dividir assim, binariamente: O forte e o fraco o bom e o ruim. Coisas de homens e coisas de mulheres.

Também dividiu as condutas em dois olhares: o certo e o errado.

Quem não se encaixa nos modelos ditados pela cultura socialmente construída, frequentemente é considerado errado.
Consequentemente culpado. E condenado ao sofrimento emocional.

Não só no mundo externo, mas no nosso mundo interno, nosso self, esses cenários se repetem, mais fortes do que gostaríamos.

Tentamos buscar o que o nosso mundo exterior aplaude.

Somos produto dele. Mas também produtores desse contexto em que vivemos.

Da mesma forma que questionamos e interferimos no contexto, tentamos com todas as nossas forças nos adaptar, sermos validados por ele. Mesmo que  para isso seja preciso silenciar algumas vozes internas.
E assim caminhamos, como se fosse possível “um certo universal e único” para pessoas diferentes, para características diferentes, para escolhas diferentes, para homens e mulheres.
E quando de alguma forma, não conseguimos corresponder, o que nos acontece?
Aparece ela: A CULPA.

 

Telma Lenzi - Viver sem Culpa

 

Temos culpa de quê, mesmo? Devemos satisfação a quem?

No final não sabemos se estamos tentando cumprir o que foi pedido pela cultura, pela interação com nossos pais, ou com o nosso projeto de ser uma pessoa adaptada ao mundo construído por volta dos 6, 7 anos de idade, ou a todos juntos.

A questão é que um cobrador já vive dentro de nós e nos cobra sempre algo.

Nosso self não é único.
Somos muitos dentro de nós mesmos.
E neste self em constantes diálogos, mora um personagem especial: A Censura. Eu a chamo de General.

Frequentemente o nosso mundo, a cultura, aplaude e incentiva as ações dos nossos Personagens Internos responsáveis pela cobrança, exigência, censura e culpa. São eles que cuidam de nos manter no caminho considerado “correto”. Focam no cumprimento das regras, disciplina, busca de aprimoramento, solidez, desempenho, determinação a todo custo.

Mulheres do nosso tempo conhecem bem este Personagem : Para muitos, elas ainda precisam ser fortes, determinadas, obstinadas, combativas, corajosas, práticas e rápidas para serem validadas.

Qual o custo emocional de quando vivemos com poucos diálogos interno e permitimos o protagonismo de um Personagem assim severo?

Momentos de tristeza, insatisfação, auto abandono, vazio existencial, inflexibilidade, doenças físicas, doenças emocionais, e por aí vai.

Mas como aconteceu esta construção de Self?

Em algum momento de nossa vida, talvez na infância criamos a nossa censura. 
Ele pode ter vários outros nomes: cobrador, controlador, sargento, patrão /patroa. Não importa o nome. Eu chamo pro meu de General. Todos estão designados para a mesma tarefa; Censura, Controle.

 

Telma Lenzi - Viver sem Culpa

 

O General está à nosso serviço com a missão de nos proteger e zelar a todo custo para que nosso “Projeto de ser pessoa realizada adaptada, aceita, e feliz no mundo” aconteça.

Criamos este projeto na infância, e esquecemos de fazer atualizações durante a vida adulta.

O que desejamos para nossa vida, ao olhar para o mundo com os olhos de uma criança?

Desejamos ser aceitos, amados, cuidados para conseguirmos sobreviver física e emocionalmente.

Condições para acontecer o “Projeto de ser pessoa realizada adaptada, aceita, e feliz no mundo”:

Ser boazinha, ser perfeita, obedecer às regras impostas, tirar excelentes notas na escola, ceder, calar, evitar conflitos na família, não errar.

Diante da dificuldade de executar tais condições, precisamos da censura e o General Interno assume o comando de tais tarefas. Ele nos dirá o certo e o errado de cada contexto.
Ele tem um itinerário, desenvolverá um jeito próprio para resolver conflitos.
Cuidará do que significamos como vital, importante, essencial para construirmos o“Projeto de ser pessoa realizada adaptada, aceita, e feliz no mundo” .

E a todo custo, ao pé da letra, vai zelar pelo projeto e evitar nosso sofrimento.

Muitas vezes, para evitar uma dor maior, causa outros danos.
Para evitar a rejeição, nos leva a calar nossos desejos e opiniões perante o outro.
Para evitar o abandono, nos ensina o auto abandono.
Para buscar o cuidado, nos ensina a cuidar do outro e não expor nossa vulnerabilidade.

Internamente, em nossos diálogos com ele – O General – agimos da mesma forma: calamos, abandonamos nossos desejos e não o atualizamos.

Não refletimos a importância da diferença entre o risco e a possibilidade.

O General seguindo a nossa ordem inicial, segue na luta para que possamos atingir o objetivo, a perfeição.

Ele está a nosso serviço. Vai continuar a cuidar do projeto inicial, controlar, se for preciso oprimir, brigar, gritar para ser ouvido, punir e gerar culpa.

Muita culpa.

VIVER COM CULPA

A Culpa é um sentimento que mora na nossa ansiedade do futuro, nas tristezas, insatisfações e frustrações do passado.
Hábil em criar espaços de tédio, angústia e depreciação.

A Culpa é a dor e a distância entre o que nós fomos e a narrativa opressora de como deveríamos ter sido.

Telma Lenzi - Viver sem Culpa

 

Dentro de nosso self há um eterno julgamento que cria uma ruptura: de um lado a pessoa real, imperfeita, errada, ruim.
Do outro a pessoa idealizada, perfeitamente certa.

Condenados escutamos a sentença definida: Viver com CULPA.

Seguiremos buscando a perfeição, a ausência de erro para aliviar esta tensão, inicialmente gerada pelo mundo externo, depois com nosso mundo interno.

E quanto mais esforço fazemos, mais nos distanciamos do que queríamos: “Projeto de ser pessoa realizada adaptada, aceita, e feliz no mundo”. Porque ao buscarmos a auto realização, nos perdemos em tentar realizar uma idealização de como deveríamos ser.

Quanto maior for a expectativa a nosso respeito, quanto maior for o modelo perfeccionista de como deve ser a nossa vida, maior será o nosso sentimento de Culpa.

E o General, como bom guarda-costas, a nosso serviço, vai usar da suas estratégias de pressão para cumprir as nossas idealizações ingênuas não atualizadas. Gerando culpa, trará a narrativa do auto-aperfeiçoamento como garantia de mudança.

Mas a Culpa não possibilita crescimento.  Ela nos incapacita de lidar com o erro.                                    Gera uma lamentação interior por aquilo que já ocorreu, ao invés de olhar para novas possibilidades futuras.

A culpa vem por sermos imperfeitos.
A culpa vem por não sermos infalíveis.
Carrega um profundo sentimento de onipotência e frustração.

Telma Lenzi - Viver sem Culpa

 

A culpa é um auto-desprezo, um auto-desrespeito pela natureza humana, nos seus limites e na sua vulnerabilidade.

A culpa é uma vingança de nós mesmos por não termos atendido a expectativa de alguém a nosso respeito, seja esta expectativa clara e explícita, ou uma expectativa interiorizada pela cultura no decorrer da nossa vida.

A culpa nos empurra para o contato direto com nossa humanidade, em um doloroso confronto com nossas mais remotas e ingênuas intenções perfeccionistas.

Tais intenções perfeccionistas idealizadas, crenças irreais, desatualizadas, construíram um itinerário, uma missão que delegamos aos cuidados do nosso General Interno.

Quais verdades desatualizadas, ingênuas, impossíveis ainda cremos:

 

1. A crença da possibilidade da perfeição:

A expectativa perfeccionista da vida é uma construção da nossa idealização, é um conceito alienado de que é possível viver sem cometer erros.

Quanto maior for a distância entre a realidade objetiva e as nossas idealizações, maior a culpa.
Quanto maior for o espaço entre aquilo que podemos nos tornar, através do nosso potencial e as construções idealistas impostas, maior a culpa.
Quanto maior a culpa, tanto maior será o nosso esforço na vida e maior a nossa frustração.

Até aprendemos que perfeição não existe. Mas continuamos a nos torturar e a torturar e a punir os outros por não corresponderem a um ideal perfeccionista do qual não queremos abrir mão.

Telma Lenzi - Viver sem Culpa

 

2. A crença de que é errado errar:

Havendo erro, deve haver culpa.
Ao acreditamos nesta crença, criamos um estado de tensão permanente:
Vamos passar a vida inteira tentando não errar para não sentirmos culpa.
Ou então passaremos a vida inteira nos sentindo culpados porque erramos.

A culpa não decorre do erro, mas da nossa narrativa diante do erro.

A culpa é uma crença de que é errado errar.

A culpa vem das culturas de violência. Nossa cultura é violenta.

Onde existe a crença de que devemos ser castigados pelas faltas cometidas, por cada erro deve haver um castigo, uma punição.

Não é possível não errar, o erro é inerente à natureza humana. Só crescemos através do erro.

Na perfeição humana está incluída a imperfeição.

 

3. A crença de que culpa e erro caminham juntos. Uma coisa é o erro, outra coisa é a culpa. 

O que chamamos de erro é  sair fora do script de uma verdade que é uma construção social. O que pode ser errado hoje, amanhã pode não ser. O que pode ser errado num contexto em outro pode não ser errado.

Lidar com o erro é diferente de sentir culpa.
Assumir o erro é aceitar que erramos, e nos responsabilizarmos pelo que fizemos ou deixamos de fazer.
Acreditar que a culpa decorre do nosso erro, vai mobilizar que busquemos responsabilizar o outro, o mundo, pelos nossos erros, numa tentativa de acabar com a nossa culpa.

Quando cometemos um erro, acontece o encontro com o imprevisível, o inesperado.
Se tudo acontecesse como planejamos, jamais experimentaríamos o novo, não ampliaríamos nossa criatividade e nosso potencial.

A vida seria uma repetição de caminhos conhecidos já vividos e explorados. E podemos mais que isso escolhendo viver com responsabilidade e sem culpa.

 

VIVER SEM CULPA

Precisamos atualizar o General do seu papel na nossa vida.

Ele que foi colocado a nosso serviço com uma missão de cuidado tornou-se nosso maior inimigo interno, gerador de culpas.

Não queremos mais manter o ideal imaginário de como deveríamos ser para sermos aceitos. Como adultos, buscamos o auto amor e a aceitação plena de quem somos e podemos eternamente nos tornar.

Ao transformar nosso General em guarda-costa do nosso bem estar, do que tem sentido para nós, avançamos em relação a esta construção de liberdade interior.

  • Transformando qualquer tipo de embate ou oposição em diálogos gentis.
  • Construindo um espaço interno dialógico polifônico, ressignificando a dualidade polarizada certo/errado, erro /culpa.

 

Viver sem culpa é transformar a vergonha do erro em auto aceitação.

9

  • É o espaço entre o errar e o tentar novamente.
  • É o espaço entre a queda e o levantar, para continuar o que estávamos fazendo.
  • É aceitar nossa imperfeição, nossa própria humanidade.
  • É aceitar nossas limitações.
  • Aceitar que não somos onipotentes, nem onipresentes.
  • Aceitar que não somos rápidos ou que somos rápidos. Às vezes muito, às vezes pouco.

    Cada um em sua singularidade, seu ritmo. Cada um  sabe o que precisa aceitar em si

    E no projeto de auto aceitação, a aceitação dos outros vem como uma consequência gentil.
    Virá quando conseguirmos nos aceitar como somos.

A auto aceitação é uma aceitação integral daquilo que já aconteceu, que já passou, que já não tem jeito.

É aceitar perder o que já está perdido.

É o encontro corajoso e amoroso com a realidade. Um sim ao presente, a renovação do auto amor e do bem estar.

Auto aceitação é um sim a nossa natureza humana múltipla, às nossas várias vozes internas e ao diálogo gentil, colaborativo e transformador entre ela.

VIVER SEM CULPA É UMA PRÁTICA PACIFISTA!

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