A maior favela da América Latina, a Rocinha está localizada no morro Dois Irmãos, que separa os bairros de São Conrado e Gávea, dois dos bairros com IPTU mais alto do Rio de Janeiro e uma das vistas mais deslumbrantes do Rio.
A proximidade entre as residências de classe alta desses dois bairros com a Rocinha cria um profundo contraste urbano na paisagem e nos questionamentos das pessoas sensíveis a causas sociais.
Enquanto a condução subia o morro, subia em mim um sentimento de perplexidade.
Subindo a Estrada da Gávea, estrada principal da Rocinha, parece que estamos em uma cidadezinha do interior. Me pareceu única, aconchegante.
A Rocinha é uma das favelas mais urbanizadas do Rio (tem status de bairro) e aspectos muito peculiares. A parte de baixo é basicamente voltada ao comércio. O comércio é diversificado atende as necessidades básicas dos seus moradores.
A comunidade também conta com 4 linhas de ônibus, cooperativas de vans, serviços de moto-táxi, um posto de saúde, uma agência dos correios, duas agências bancárias, serviços de internet, TV a cabo, rádios comunitárias, uma casa de show, três escolas públicas e várias creches comunitárias.
O Banco Popular tem uma bem sucedida intervenção na comunidade: empresta dinheiro de Ongs em baixas quantias (até mil reais) a pequenos comerciantes e ambulantes, em resposta conta com uma baixíssima taxa de inadimplência.
Lá as pessoas se organizam e querem viver em paz.
Sim, as pessoas vivem, trabalham, batalham sofrem e sorriem calorosamente recebendo os visitantes curiosos e impactados, com suas máquinas fotográficas invadindo privacidades.
No meio a emoções e perplexidades, o sorriso dos moradores, o convite pra entrar em uma casa e conhecer um pequeno gato que avistei, aconchegava.
O café quente e a conversa sobre o cotidiano da vida rolou afetuosamente pelas casas, escadarias e ruelas de lá.
E assim me sentindo meio turista (sem máquina fotográfica) e com interesse genuíno pelas pessoas e suas vidas, passei o dia lá e escutei suas histórias.
Lá as pessoas se calam e vivem sobre a ditadura do medo. Há uma paz mantida pela violência para manter a polícia fora da favela.
Pedofilia, a pena é a morte.
Violência familiar, discórdia entre vizinhos tem uma chances, na segunda é expulso e proibido de se aproximar com risco de perder a vida.
E neste paradoxo da paz mantida pela violência do narcotráfico, vivem milhares de pessoas. Muitos moradores dizem que está bom assim. Outros pedem intervenção do governo.
O programa de pacificação ainda não havia chegado à Rocinha.
Mas de que forma a intervenção ajudaria uma comunidade mergulhada em seus paradoxo e sua cultura local?
Na parte de cima do morro está o poder do narcotráfico. A frente do morro a classe alta e o poder financeiro.
E o governo onde está?
O que faz um povo acreditar que essa é a vida que eles devem ter, naturalizam a violência que, através do medo, rouba sua voz, sua dignidade, suas vidas?
O que faz a gente esquecer que essa desigualdade social existe bem aqui perto de nós?
Onde esteve o governo desde os tempos da escravatura, dos quilombos até as favelas de hoje? E como será no futuro?
O individualismo do nosso sistema leva a desgovernos, a violência social colocando o Brasil com um dos países de maior desigualdade social do mundo.
Não somos ilhas individuais como muitos pensam e vivem. Somos um sistema humano global.
Tudo atinge a todos. Estamos interligados.
Cada ação no mundo atinge nosso cotidiano e nosso mundo interno, por mais ingênuos ou alienados que sejam nossos discursos. O terremoto do Japão, a crise na Europa, o narcotráfico das favelas, etc.
Quebrar os limites de uma visão individualista e abrir-se para a visão social permite perceber a importância de melhorar a qualidade de vida da sociedade como um todo.
Todos crescem. Todos ganham.
E não uns poucos ganham a custa de desfavorecidos que comprometerá o futuro.
Ou você ainda acredita que é bom para o desenvolvimento da sociedade manter a pobreza?
Telma Lenzi |2011