Para Lia

Hoje acordei cedo pensando em ti com carinho. Ia te escrever, mas antes fui meditar. Na meditação da manhã, veio […]

Hoje acordei cedo pensando em ti com carinho.

Ia te escrever, mas antes fui meditar.

Na meditação da manhã, veio na tela mental o que eu quero para mim, meu propósito na vida. 

Uma sensação de plenitude, de estar tudo certo, tudo no lugar.

Fiquei rindo de mim e para mim. Em meio a tanto caos, dificuldades, a obra para construção da ONG, tantos obstáculos – minha alma está tranquila e plena.

Olhei-me de fora e pensei: tenho orgulho de mim. Da minha força, coragem, aprendizagem, da minha guerreira. 

E da minha vítima? 

Porque não tenho um bom contato com essa Personagem Vítima?

Vítima e vitoriosa. Um paradoxo!

Porque esta é a parte mais difícil para mim?

Sinto dor pelos “nãos” que a vida me dá. Pelos obstáculos, pela incompreensão. Pelas perdas, pela falta do aplauso, pela exposição do erro apontado, pela fala do que ainda falta.

Mas existe outra dor maior e da qual eu não posso culpabilizar o outro, romper, ou me afastar. É uma dor que continua no meu mundo interno.

Uma dor de um Personagem  Algoz, para com minha Personagem Vítima.

No meu mundo interno tem uma voz que me diz ‘NÃO’. 

Que não aplaude, nem apóia minhas empolgações. Que está sempre pronto para apontar o erro e o que falta.

Que teima em olhar pro passado com culpa, que coloca obstáculos, me trai e me rouba a paz quando me desqualifica.

Olhando mais de perto, sinto nele uma intenção de guarda-costas, uma proteção exacerbada que impede outras vozes: A teimosamente otimista, a ativista e a romântica. 

O Algoz me dizia: 

Preciso te proteger das ilusões do mundo para evitar a dor que a desilusão te causa. Então, eu te coloco a buscar a perfeição.

E com este paradoxo me torno a vítima de mim mesma – buscando a proteção do que não pode ser protegido (desilusão), cria uma nova ilusão (perfeição).

Neste jogo interno segue a minha vida.

Horas vence a Vitoriosa, guerreira de mim mesmo – expressa em atos e construções amorosas. Grande aprendiz e cuidadora.

Outras horas a Vítima – desqualificada pelo Algoz, assolada pela culpa da imperfeição. Submetida a uma penitência de reclusão para reparar os erros.

Como posso querer eu, ficar a vontade com as críticas desqualificadoras externas, se uma parte de mim já sucumbiu a elas?

Como posso criar uma saída para este paradoxo?

A Mestra interior, respondeu:

Não existe o não sofrer, este viver da forma que gostarias.

Não se iluda. Des-iluda-se!

Aceite a vítima, o sofrimento de desiludir-se.

Aceite a dor dos processos humanos e relacionais, aprendendo a conviver com eles.

Converse, transforme seu Personagem Algoz em um Medo protetor e mantenha-se acompanhada dele. Atualize sua tarefa de avaliar os riscos mas não impedi-la de ver e viver as possibilidades.

Resgate-se da reclusão penitencial do erro e seja acolhedora consigo. Os erros virão e os acertos também.

A culpa é só uma crença de que é errado errar. Liberte-se dela. 

Aceite sua condição de imperfeição humana!

Saí do estado meditativo com uma forte emoção.

Uma sensação de profunda esperança, de um caminho a seguir.

Sim, minha amiga. Precisava te contar tudo isso. 

Porque acordei pensando em ti e te pergunto: 

De alguma forma essa reflexão faz sentido para ti? 

Essas vozes opressoras também te habitam?

Queres me contar sobre isso?

Os diálogos do mundo continuam sempre, no privado, em nossos diálogos internos.

Assim, cada um segue com seu itinerário e reflexões transformadoras. E no ato de compartilhar, estarmos em conversas, novas possibilidades vão surgindo no caminhar. 

É no andar da carruagem, nos diálogos, que as melancias, nossas emoções, se ajeitam!

 

Telma Lenzi | Março 2007.

 

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