O Novo Pai

Filho da revolução feminista, o novo pai vem reivindicar seu lugar junto a seus filhos.

Mas estarão as mulheres prontas para uma divisão igualitária na questão do poder que a maternidade lhes confere?

Estarão os homens preparados para o curso de “como amar alguém além de nós mesmos, por empréstimo, no maior ato de coragem de suas vidas” como definiu tão bem Saramago sobre o que é ser pai?

Vamos ver como anda esta nova conquista masculina.

As mulheres conquistaram, com o movimento de emancipação feminina, também o direito de serem inteiras. Podem ser frágeis, mas também fortes, dóceis e agressivas, indecisas e decididas, medrosas e corajosas, racionais e emocionais, dependendo do momento e das circunstâncias.

Com esta mudança, desejaram homens que pudessem ser inteiros também, que, assim como elas, não mais precisassem reprimir aspectos da personalidade.

De início este homem não existia.

Porque ser homem até então requeria um esforço impossível.

Tão emotivo e sensível quanto a mulher, foram treinados para serem machos e não terem emoções. Tinham que ser agressivos, não ter medo de nada. Com a ansiedade da exigência e o sentimento de inferioridade por não alcançar o ideal masculino, desenvolviam fortes defesas emocionais.

Felizmente o patriarcado saiu de moda para alguns.

Bom para as mulheres, mas também muito bom para os homens. Que, na carona da história, puderam rever conceitos exaustivos de serem fortes, ter sucesso sempre e nunca falhar.

O homem também foi liberado para ser inteiro. Para ser frágil, sensível, para chorar, ficar triste, falar dos seus sentimentos, aceitar seus próprios fracassos.

Então chegamos aos tempos modernos com um pouco mais de equidade.

Homens e mulheres têm o mesmo valor, e devem ser respeitados em suas escolhas e em suas formas de vida.

Dividem as contas da casa, dividem responsabilidades, competências e daí resolvem se vão ter filhos ou não.

Divisor de águas na vida de um casal, um filho muda tudo.

O corpo da mulher amada agora pertence ao bebê, o casal se transforma em família, os programas, a agenda agora prioriza ele, o bebê.

Estas e outras questões que, com maturidade, podem ser vividas de maneira amorosa e prazerosa, para muitos casais estabelecem uma crise sem volta, visto o alto índice de divórcios no primeiro ano de vida dos filhos. 

E o novo pai vai aparecendo neste cenário.

Ele é pai.

Independente de ficar casado com a mãe do seu filho ou não, encara a paternidade como 100% da responsabilidade na criação do seu filho. Para ele não é somente uma questão de dividir os custos ou ajudar.

O novo pai questiona o porquê da guarda ser preferencialmente entregue à mãe em caso de separação, requer direitos iguais. Solicita guarda compartilhada e divide o cuidado com os filhos. Assumem integralmente o cuidado com os filhos, quando suas parceiras seguem carreiras promissoras, invertendo papéis sociais. Organizam seus tempos entre trabalho e filhos pelo prazer do vínculo, e não para ajudar a esposa.

O pai tradicional ainda anda por aqui.

E ele pensa bem diferente. E ainda não se deu conta do que está perdendo.

Ele divide os custo com a esposa. Mas considera que  90% da responsabilidade sobre o bebê é da mulher.

Sendo assim, ele chega à noite do trabalho, brinca com o filho, talvez dê o banho, mas em uma intenção de ajuda à sua parceira e não de compartilhamento ou construção do vínculo emocional com o filho.

Ele não conhece o mundo emocional a ser explorado na relação pai e filho, e segue longe deste processo.

Para o novo pai, homens e mulheres têm direitos iguais, mas, na maternidade, a mulher é mais poderosa: é ela quem gesta, pare e amamenta.

E é para ela o convite de abrir mão deste poder sobre o filho e permitir que aconteça esta vinculação pai e filho intensamente. Perceber o quanto será enriquecedor para todos.

E ele, o novo pai, precisa correr atrás. Ser parceiro na gravidez e engravidar também; ir às consultas médicas; fazer cursos de pais; estar ao lado da mulher no parto, dar o primeiro banho na criança, dividir os cuidados. Manter o que conquistou: direitos iguais para a paternidade e a maternidade.

Para o novo pai, contemplar por horas seu bebê dormindo é a melhor paisagem. Acalmar seu choro, trocar suas fraldas e tranquilizá-lo em seu peito, causa uma paz infinita.

Passar o dia no trabalho acompanhado da saudade ou da lembrança de seu sorriso, é o maior motivador para se sentir potente.

Chegar em casa e ser recebido por aquele serzinho, por aquelas mãozinhas que o abraçam é sua dose de transcendência diária.

O novo pai não abre mão do máximo da experiência de sentir o amor por um filho.

O amor quando emocionalmente sentido transborda e inunda o ser amado.

O filho, ao receber essa dose a mais de amor do pai, terá ampliada sua capacidade de amar e ser amado. E esse futuro adulto, no seu tempo, será um pai ou mãe ainda mais preparado para a experiência do amor no cuidado. O pai tradicional não sabe do que estamos falando.

 

Telma Lenzi | Agosto de 2013

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O pai da Bela

Bela foi criada só pelo pai.

Não sei bem o motivo, mas sei que foi muito especial esta relação de pai e filha.

Sua educação foi muito diferente daquela do contexto em que viviam.

Seu pai também era um homem diferente. Sensível, inventivo. Independente e livre do ideal masculino de sua comunidade, não se preocupava por ser considerado louco, por todos.

Nem sei se percebia a pressão que vinha em sua direção. Talvez não, porque ele se preocupava em seguir o seu desejo interno, suas idéias e não os padrões externos. Vivia suas emoções e sua racionalidade.

Ele era um inventor e a comunidade o considerava desajustado.

Muitas vezes quando queremos seguir nossos desejos e nosso coração, o mundo externo faz pressão contrária. Cabe a cada um a escolha de ceder ou não.

O pai da Bela deu a ela um modelo diferente de ser pai.

O que era  ser homem e ser mulher em uma comunidade onde  o modelo validado era Gaston?

Gaston era muito forte fisicamente. Invejado pelos homens, arrancava suspiros de todas as mulheres, menos de Bela que o achava primitivo e convencido.

Desde pequeno Gaston foi desafiado a provar e manter sua masculinidade. Tinha que ser muito forte e agressivo, não ter medo de nada e ser competente no sexo. Aprendeu que para ser macho não podia ter ou mostrar emoções. Precisava aniquilar seu lado emocional.

Nossa! Ser homem requeria um esforço sobre-humano.

Como defesa contra a ansiedade que essa exigência provocava e para encobrir o sentimento de inferioridade por não ser possível alcançar o tal ideal masculino, Gaston e os homens daquela comunidade desenvolveram armaduras pessoais.

Sabemos que, quanto maior a armadura, mais intensa é a emocionalidade que ela esconde.

Mas Gaston cortejava Bela. A única mocinha da comunidade que não dava bola para ele. Que não reforçava seu modelo de machão patriarcal.

Bela foi criada por um pai pós-moderno. Ele acreditava que as pessoas, independente do gênero tinham o mesmo valor. A relação com a filha era igualitária e harmônica.

O pai da Bela incentivava suas potencialidades sem diferenciar o gênero: coisas para homens e coisas para mulheres. Desta forma seu gosto por leituras foi valorizado e incentivado.

O pai da Bela, amoroso, respeitava seu jeito de ser e suas escolhas. Não exigindo dela cumprir o caminho do modelo social feminino: reprimir sua intelectualidade e procurar um marido forte para casar, que lhe desse o sustento e filhos para criar.

O pai da Bela se mostrou por inteiro. Podia ser também frágil, dócil , indeciso, dependendo do momento e das circunstâncias. Não tinha vergonha de mostrar suas emoções, chorar, ficar triste e aceitar seus próprios fracassos.

Naturalmente os dois, Bela e seu pai,  eram considerados muito esquisitos por não seguirem o modelo social vigente. Culminando com a revolta da comunidade para internar este pai em um manicômio por ser considerado insano.

O caminho natural de Bela, a partir da relação com seu pai, foi desejar se relacionar com homens que pudessem ser inteiros também, que assim como ela não mais precisassem reprimir vários aspectos da sua personalidade.

Desta forma, ao ter que conviver com a Fera em seu castelo,  não aceitou como verdade sua armadura. Questionou seu modelo patriarcal, seus sentimentos e sua gentileza reprimida. Exigiu ser tratada com respeito tratando-o desta mesma forma.

Buscou o que viveu e significou como amor, em seu modelo familiar, conseguindo estabelecer uma relação de duas pessoas inteiras: um homem autorizado à viver com emoção e razão e uma mulher  com o mesmo direito a ser inteira.

A mudança na história da humanidade começa nestas escolhas, de como estamos vivendo na parentalidade e na conjugalidade. E o futuro das relações sem violência virá com o fim das relações hierarquizadas do modelo patriarcal.

Que tipo de pai você quer  ser?

Que tipo de educação dar a nossos filhos, meninos e meninas?

O que estamos fazendo hoje como pais?

 

Telma Lenzi | Agosto de 2013

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PERDAS NECESSÁRIAS

As conexões imperfeitas – sonhos e realidades.  “Crescer não significa a morte de tudo que é bom e doce.

 Crescer não precisa ser o Grande Congelamento.

E quando nos transformamos naquilo que chamarei de, “adulto saudável”, com a sabedoria do adulto, suas forças e suas aptidões, poucos preferem voltar a ser criança.

Pois como adultos saudáveis, podemos abandonar e ser abandonados. Podemos com segurança sobreviver sozinhos. Mas somos capazes também de compromisso e intimidade.

Capazes de unir e separar, de sermos ao mesmo tempo íntimos e sozinhos, fazendo conexões em vários níveis de intensidade, estabelecendo elos amorosos que podem refletir os prazeres diversos de dependência, mutualidade.

Como adultos saudáveis, sentimos nosso eu digno de ser amado, valioso, genuíno. Sentimos a individualidade do nosso eu. Sentimos que somos únicos, e, ao invés de ver o eu como a vítima passiva do mundo interior e exterior, manejada, desamparada e fraca, reconhecemos o eu como agente responsável e força determinante na nossa vida.

Como adultos saudáveis, podemos integrar as várias dimensões da nossa experiência humana, abandonando as simplificações da juventude insensível.  Tolerando a ambivalência. Vendo a vida através de várias perspectivas.

Descobrimos que o oposto de uma verdade pode ser outra verdade importante. E somos capazes de transformar fragmentos separados em um todo, aprendendo a ver os temas unificadores.

Como adultos saudáveis, possuímos, além de uma consciência, e, é claro, do sentimento de culpa, a capacidade para sentir remorso e para perdoar a nós mesmos.

 Somos apenas refreados – não aleijados – pela nossa moralidade. Assim continuamos livres para afirmar, conquistar, ganhar a competição e para saborear os complexos prazeres do sexo adulto.

Como adultos saudáveis, podemos procurar e gozar nossos prazeres, mas podemos também enxergar e viver nossas dores.

As adaptações construtivas e as defesas flexíveis permitem que alcancemos objetivos importantes. Sabemos diferenciar a realidade da fantasia. E podemos – ou conseguimos – aceitar a realidade.  E estamos dispostos a procurar a maior parte das nossas gratificações no mundo real.

 O que chamamos de “teste da realidade” começa – com a frustração – na primeira infância, quando se descobre que só desejar não realiza o que queremos, quando se descobre que fantasias não aquecem, não confortam nem alimentam.

 Adquirimos o senso da realidade, isto é, somos capazes de dizer se alguma coisa existe realmente ou não, pois, por mais vívida que seja a imagem de gratificação criada não passa de uma imagem da mente, e não uma presença viva no quarto.

 O senso de realidade permite também uma avaliação relativamente exata de nós mesmos e do mundo exterior. Aceitar a realidade significa aceitar as limitações e as falhas do mundo – e as nossas.

Significa também criar objetivos possíveis, compromissos e substitutos dos nossos desejos infantis, por que:

1.     Porque, como adultos saudáveis, sabemos que a realidade não pode nos oferecer segurança perfeita nem amor incondicional.
2.     Porque, como adultos saudáveis, sabemos que a realidade não pode nos fornecer tratamento especial ou controle de absoluto.
3.     Porque, como adultos saudáveis sabemos que a realidade não pode compensar os desapontamentos passados, os sofrimentos e as perdas.
4.     Porque, como adultos saudáveis, finalmente chegamos a compreender,no desempenho dos papéis de amigo, cônjuge, progenitor, a natureza limitada de todos os relacionamentos humanos.

Porém, o problema com a idade adulta saudável é que poucos são consistentemente adultos. Além disso, nossos objetivos conscientes são inconscientemente sabotados.

Pois os desejos infantis que vemos às vezes nos sonhos ou nas fantasias, exercem grande poder fora do nosso conhecimento consciente. E esses desejos infantis podem onerar nosso trabalho e nosso amor com expectativas impossíveis. Exigindo, culpando por demais as pessoas que amamos ou nós mesmos, não estamos sendo – quem realmente o é – os adultos saudáveis que devemos ser.

 Crescer exige tempo, e pode demorar muito aprender a equilibrar os sonhos com as realidades.  Podemos levar muito tempo para aprender que a vida é, na melhor das hipóteses, um sonho sob controle – que a realidade é feita de conexões imperfeitas.

  Judith Viorst

Crianças Invisíveis

Sete documentários imperdíveis de grandes diretores sobre a violência contra as crianças em suas múltiplas formas.

Crianças Invisíveis não é um filme recente, foi produzido em 2005, sem fins lucrativos e acabou sendo pouco divulgado. No entanto, é um dos filmes imperdíveis, em especial, para o psicólogo, pois descreve o cenário infanto-juvenil de vários países, no âmbito de um tema que necessita de maior debate no campo da Psicologia brasileira: a violência, suas várias modalidades e consequências.

Não se trata de um filme técnico, configurando-se no gênero drama, o que possibilita uma apreensão mais emotiva dos problemas acarretados pela violência. Outro ponto positivo do filme foi ter sido realizado sem apelo comercial e publicitário, tendo os diretores maior liberdade de criação. O dinheiro arrecadado foi doado à UNICEF e a uma organização mundial que busca combater a fome (World Food Program).

O filme é composto de sete curtas-metragens realizados em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Percebe-se que o filme como um todo aborda a definição de violência explicitada pela Organização Mundial da Saúde (1998), a qual divide a violência em três categorias:

1) a autoafligida:

violência contra si mesmo, sendo o suicídio o modo mais fatal,

2) a interpessoal:

comportamento violento entre indivíduos, os quais podem ser íntimos ou não e,

3) a organizada:

comportamento violento de grupos sociais ou políticos, motivados por objetivos políticos, econômicos ou sociais.

O primeiro curta-metragem filmado na África, do diretor Mehdi Charef, revela a realidade de meninos-soldados, envolvidos em conflitos étnicos, políticos e econômicos. O contraste entre a realidade vivida pelos meninos-soldados e aquilo que comumente se entende por infância período em que o indivíduo deve ser protegido, cuidado, está em formação – é chocante.

A situação apresentada pode parecer aos brasileiros uma realidade distante, contudo, as quadrilhas do tráfico nas favelas do Rio de Janeiro, de acordo com Dowdney (2003), empregam menores de idade em várias funções, entre elas: monitorar uma região da favela, avisando quando entram policiais e membros inimigos; vender drogas; manter a ordem na comunidade e proteger empregados das facções. Ainda de acordo com Dowdney (2003, p. 135), a utilização de crianças e adolescentes em combates armados aumentou a partir da década de
70, em razão da competição violenta entre grupos rivais, com a morte de muitos adultos, do aumento da disponibilidade de armas e do fato de que “as crianças são ágeis, rápidas, pequenas, muitas vezes intrépidas, podem usar armas leves com eficiência, se não com precisão, e são difíceis de manter presas quando detidas.”

O segundo curta-metragem filmado na Sérvia Montenegro, e dirigido por Emir Kusturica, revela a situação de garotos em conflito com a lei que se encontram com a liberdade cerceada, em instituição de reabilitação. O curta explora a dificuldade de fazer cumprir os objetivos desse tipo de instituição, como também, aponta algumas das variáveis que promovem  comportamentos delituosos. As variáveis descritas estão em consonância com a literatura científica, conforme revisada por Gallo e Williams (2005): violência familiar, baixos níveis de afeto e coesão na famíliaalcoolismo de cuidadores, indiferença generalizada pelos responsáveis, reduzido status socioeconômico, associação com pessoas agressivas ou usuários de drogas, distanciamento de pessoas que não se comportam criminalmente.

O terceiro curta-metragem, norteamericano, do diretor Spike Lee, alude à realidade de crianças que estão expostas aos seguintes fatores de risco: ser portador do vírus HIV, ter pais que fazem uso/abuso de substâncias ilícitas, residir em bairros pobres e violentos e ser vítima de violência escolar. O interessante é que esse curta-metragem contextualiza tal realidade socialmente, não negando a responsabilidade individual, mas explorando como a participação como combatente na guerra do Iraque, a falta de oportunidade de emprego, a carência de recursos de assistência social, a pouca informação da população a respeito do HIV influenciam para que a personagem central tivesse uma vida difícil.

O quarto curta-metragem, brasileiro, dirigido por Kátia Lund, aponta um tipo de violência cujo agressor é difícil de identificar. É a violência em que as crianças devem trabalhar para manter o seu sustento e ajudar a pagar as despesas familiares, sendo expostas a situações de perigo para seu desenvolvimento físico e psicológico. Além disso, o curta é brilhante ao apontar a capacidade de resiliência das crianças e ao mostrá-las com comportamentos comumente mais relacionados à infância, como o brincar.

O quinto curta-metragem, inglês e de direção de Ridley e Jordon Scott, faz o exercício de um adulto, o qual fotografa guerras, de se colocar em uma postura infantil, compreendendo o mundo como uma criança o faria. Tal curta valoriza a simplicidade do mundo infantil, o qual permite intercâmbios e discussões, sem que se façam conflitos permanentes, contrasta abruptamente com o mundo adulto apresentado, no qual a aceitação das diferenças parece inatingível e permeada de complexidade, em que necessita da atuação de diversas organizações e governos. Um dos curtas-metragens mais enigmáticos do filme, explora habilmente o problema da violência organizada, demonstrando que esta não é circunscrita à situação de conflito, tendo efeitos no âmbito individual e intergeracional.

O penúltimo curta-metragem, dirigido por Stefano Veneruso e filmado na Itália, se refere à situação de adolescentes vítimas de alguns dos tipos de maus-tratos descritos pela Sociedade Internacional para a Prevenção do Abuso Infantil e Negligência (International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, 2006). O personagem principal sofre de negligência por parte dos cuidadores, sendo violentado psicologicamente, xingado e depreciado. Ele encontra aceitação social e garantia das necessidades alimentares em um grupo de adolescentes antissocial, que faz pequenos roubos. Contudo, o curta não descreve a situação pelo senso comum, explorando ao máximo os sentimentos do adolescente decorrentes da situação em que se encontra, chegando a simular o suicídio do garoto, por meio de uma brincadeira que este faz com a própria sombra.

O último curta-metragem, produzido na China, dirigido por John Woo, aponta para o fato de o conflito e a violência não se restringem à classe social pobre. O curta-metragem contrasta a realidade de duas meninas, sendo que uma é de classe sócio econômica alta, enquanto que a outra tem poder aquisitivo muito baixo. A história apresentada é marcante na alusão a sonhos, fantasias e gestos simples que adquirem importância como geradores de esperança e motivadores de mudanças positivas significativas.

Não sem razão, o último curta-metragem termina o filme com uma mensagem de esperança. Interpreta-se que a intenção do filme não foi apenas de revelar situações de violência em que crianças e adolescentes estão envolvidos, como, também, de estimular ações de mudança. Assim, tal filme invoca uma consideração sobre o psicólogo.

O psicólogo é aquele que atua em diferentes contextos (em consultório, hospital, empresa, escola, organizações, no esporte, na comunidade, no trânsito, etc.) e, dada as sequelas ao desenvolvimento infantil, tem a obrigação de estar atento para identificar relações de violência, especialmente aquelas em que crianças e adolescentes estão envolvidos, realizar intervenções a fim de diminuí-la, amenizar as consequências dela advindas e, principalmente, prevenir situações de violência. O filme Crianças Invisíveis pode servir como
um estímulo para que a questão da violência tenha mais notoriedade para os psicólogos e, espera-se, também, que sirva de incentivo para que estes se sensibilizem com a temática de forma a aprofundar o conhecimento sobre esta e os modos de intervir, remediar e preveni-la.

Autoras

Ana Carina Stelko Pereira | Psicóloga e Mestranda em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal
de São Carlos (UFScar)l, Bolsista mestrado da FAPESP, São Carlos, SP – Brasil, email: anastelko@gmail.com

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams | Doutora em Psicologia Experimental (USP), Professora Titular do Departamento de Psicologia da UFSCAR e Coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV), São Carlos, SP – Brasil, email: williams@power.ufscar.br

 

Referências

Dowdney, L. (2003). Crianças do tráfico: Um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sete Letras.

Gallo, A. E., & Williams, L. C. A. (2005). Adolescentes em conflito com a lei: uma revisão dos fatores de risco para a conduta infracional. Psicologia: Teoria e Prática, 7(1), 81-95.

International Society for Prevention of Child  Abuse and Neglect (2006). Survey of key informants. In D. Daro. (Org.). World perspectives on child abuse. (pp. 7-38). ISPCAN: Recuperado em 15 jul. 2008: http://www.ispcan.org/wp/ index.htm

Organização Mundial da Saúde. (1998). Violence prevention: An important element of a health-promoting school.Recuperado em 13 abr. 2007: http://www.who.int/school. Recuperado em 13 abr. 2007: http://www.who.int/school_youth_health/media/en/93.pdf

Recebido: 22/08/2008
Received: 08/22/2008
Aprovado: 23/09/2008
Approved: 09/23/2008

 

ISSN 0103-7013 | Psicol. Argum., Curitiba, v. 27, n. 56, p. 89-91, jan./mar. 2009 | ©Psicologia Argumento

 

All the invisible children: A movie about violence and its multiple types
Cucinotta, M. G., Tilesi, C., Veneruso, S. (Produtores), Charef, M., Lund, K., Kusturica, E., Charef,
M., Veneruso, S.,Woo, J.; Lee, S., Scott, J., Scott, R. (Diretores) (2005). Crianças invisíveis. [filme].
França/Itália.

 

CRIANÇAS INVISÍVEIS PARTE 1

CRIANÇAS INVISÍVEIS PARTE 2

CRIANÇAS INVISÍVEIS PARTE 3