“Toda a nossa vida tem por condição a infidelidade
a nós mesmos”.
Marguerite Yourcenar
A quem precisamos ser fiel?
Ao outro, a valores familiares, a comunidade ou a nós?
Como ser fiel a nós mesmos se em nossa paisagem interna habitam Personagens Internos antagônicos, de desejos contraditórios?
Há sempre barulho interno.
Se atendo um, o outro se ressente e sofre. Um terceiro me chama para um outro foco, e por último vem o cobrador que me culpa por todo esse barulho interno.
Essa é a nossa paisagem interna, nosso self. Não existe a unanimidade nos diálogos internos entre nossos Personagens. E isso também não é o mais importante.
Sempre estaremos na condição de infidelidade a um ou a outro.
Em cada interação, relação, nos apresentamos com um ou uns Personagens. E deixamos alguns de fora por algum tempo.
Em um relacionamento íntimo nossa polifonia interna ficará em evidência. A intimidade convidará nossas múltiplas vozes e pedirá urgência em colocá-las em diálogos.
Queremos múltiplos desejos e por vezes contraditórios em relação ao outro e nos traímos:
Queremos um parceiro, parceira, ao mesmo tempo nossa privacidade, liberdade reclama seu espaço.
Queremos independência emocional mas proteção contra nossos próprios medos e nossa solidão.
Reclamamos das críticas do outro e não aceitamos o outro como ele é.
Nos traímos, quando, nossa responsividade, nos momento de vulnerabilidade, esquece do respeito, diálogo e perdão e usamos defesa, ataque e vingança.
Quando esquecemos do pedido de desculpas ao invés da culpabilização, da vulnerabilidade ao invés da força, da posição igualitária ao invés da luta pelo poder.
Caímos em armadilhas traiçoeiras quando não aceitamos a complexidade da vida, das relações e das pessoas como elas são.
Nos traímos quando delegamos ao outro que cuide de algo que não sei cuidar em mim, alimentando ilusão desta possibilidade e desiludindo com a realidade.
Somos infiéis a nós e ao outro quando substituímos no presente os Personagens de um casal com suplementações repletas de passado, jogados a dois que convida a entrada de terceiros nas relações:
- De homem e mulher para a menina e o pai
- De homem e mulher para o menino e a mãe
- De homem e mulher para os melhores sócios ou amigos
- De homem e mulher para os piores inimigos
Manter-se fiel a si é a primeira atitude.
Buscar nosso próprio autoconhecimento, nossa multiplicidade. Aceitar nossa condição humana, colocar em diálogos antagonismos e incoerências internas fará emergir novos significados. Conhecer nosso mundo interno trará clareza de qual projeto cada um está construindo para suas vidas.
E a ele devemos fidelidade: ao nosso projeto de bem estar no mundo.
Vivemos um tempo que nos permite a pluralidade de escolhas possíveis.
Fazer nossas escolhas e sermos responsáveis por elas é apresentar ao outro nossa complexa subjetividade convidando o outro a interagir com ela.
Incoerências, antagonismos, desistências e mudanças de projeto farão parte da caminhada de crescimento humano.
E esta busca pelo crescimento e bem estar no mundo convida as pessoas a buscarem versões cada vez melhores e mais amorosas de si mesmos.
Homens e mulheres estão aprendendo a conviver com sua solitude, com o barulho e a paz em seus diálogos internos, com a complexidade de estar vivo e buscar se relacionar com o outro, igualmente complexo.
Arriscar a viver em relações igualitárias e dialogar colaborativamente consigo e com o outro, é um compromisso de fidelidade para uma vida mais consciente e de paz.
Telma Lenzi
Novembro/2015
Muito bom texto. Longa jornada para conseguir unidade. Conseguir entender como chegar. Muito trabalho.Muita dedicação. Mas as armadilhas estão em todo lugar. Adoraria fazer o workshop, nas no fim de semana é complicado para mim. Bjs querida amiga. Muito sucesso