O que cabe à família e o que cabe à Escola?
Meu primeiro filho, tranquilo, sensível, feliz e atento, seguiu a educação tradicional em uma escola considerada alternativa. Porém, como a maioria das escolas, de método instrutivo de transmissão de conhecimento. Seguiu. Questionou matérias e conteúdos. Definiu suas preferências e a inutilidade de muitas delas, para ele. Fez aulas de yoga nas vésperas do vestibular, ao invés de simulados mobilizadores de ansiedade para ele.
Entrou para Psicologia na UFSC para o segundo semestre e fez um intercâmbio sabático de 6 meses, como era uma crença familiar, para descansar depois de exaustivos 15 anos de escola.
A escola de massas, com um professor ensinando ao mesmo tempo e no mesmo lugar dezenas de alunos, nasceu com a revolução industrial e chegou igual ao século XXI.
Em mais de duzentos anos, mudaram os estudantes, mudou a sociedade e mudou o mercado de trabalho. Quando a escola será reinventada? Quando a singularidade e a colaboração entrarão em cena?
Esse era um assunto recorrente nos diálogos familiares. Localizava nos meninos dores parecidas com as minhas de infância: hierarquização e poder, currículo padronizado, aulas fechadas, turmas isoladas, as provas como sinônimo de avaliação, os mecanismos punitivos e repressivos mobilizadores do medo e aniquiladores da criatividade.
Seguíamos.
Meu segundo filho belo, forte, rápido, livre e explorador do mundo, andou cedo (9 meses), falou cedo e logo acompanhou o irmão 3 anos mais velho em tudo.
O medo não o acompanhou na infância.
Destemido e interessado nas oportunidades que o mundo oferecia, se soltava de mim para explorar os lugares, mergulhar nas águas das praias ou piscinas que encontrava, andar sozinho à cavalo aos 2 anos.
Cheio de energia e alegria, com um sorriso constante em seu rosto e olhar, cativou a todos e viveu plenamente sua infância feliz.
Sempre leal, amoroso, gentil, dócil e carinhoso, criado desde o primeiro mês com massagem de Shantala, seu corpo falava sobre sua afetividade: dar e receber carinho, toque, abraço foi sempre sua linguagem, sua verdade.
Exercia sua criatividade com perfeição na modelagem, desenhos e brincadeiras com bonecos, personagens de tramas criadas em sua imaginação e interpretada por ele.
Ele queria sentir-se livre para explorar o que lhe causasse interesse, emoções e paixões.
A natureza, trilhas e liberdade era o seu lugar. Assim como ajudar os outros e os animais.
As regras da Escola, rígidas e sem coerência para ele, não foram bem vindas e os conflitos começaram aos 7 anos.
Somos produtos e produtores de uma cultura e tentamos nos encaixar a ela.
Mas o corpo não mente. A mente mente.
Seus olhos não conseguiam enxergar. Passou a usar óculos. Sua atenção não fixava nos conteúdos e seu desejo estava no lado de fora da sala. Foi diagnosticado com TDAH.
Não acompanhava o conteúdo. Foi reprovado e encaminhado para psicopedagoga, psicóloga, psiquiatra e todos os especialistas em manter uma criança na “esteira” da padronização educacional.
Mudei-o de escola.
Todos os muitos caminhos conhecidos eu tentei. Dei minha total presença nesta busca insana de adaptá-lo à escola.
O rótulo de diferente, problemático se estabeleceu e substituiu rapidamente todas as suas belas qualidades.
O encontro com seu Personagem Interno “Medo” veio na adolescência, de maneira muito intensa e entristecedora, mantendo-o em um lugar seguro e recluso, livre das pressões do mundo real: o mundo dos jogos virtuais.
Ali ele voltou a ser livre e criativo. Ser quem ele queria ser. Criar suas regras e ser singular em um mundo imaginário. Viver suas aventuras preferidas ajudando pessoas. Longe, muito longe do mundo real.
A tentativa de se manter na escola esvaziou sua energia vital, sua criatividade, seu empoderamento para questionar as regras do mundo que não serviam para ele. Desconectou do sentir, do acreditar em si e do agir pelo seu próprio caminho, pelo esforço de tentar se submeter aos padrões.
Minha constante busca de entendê-lo e poder “estar com” ele me fez mudar meu olhar das muitas tentativas de ações para uma outra forma de compreensão da situação.
O problema não era ele, mas a proposta educacional que para ele não servia. E feriu fortemente sua liberdade e criatividade.
O que está acontecendo com nossas crianças e adolescentes? Será que repetiremos as opressões vividas em nossa infância ou queremos algo de melhor para eles? Em qual mundo vivemos e em qual mundo eles viverão?
Estamos preparando-os para um futuro colaborativo e interconectado?
Nossos filhos de cinco anos querem salvar o mundo, ser policiais, astronautas, mágicos e dançarinos. Mas será que chegam no último ano da escola com seus desejos respeitados ou transformados em advogados, administradores, enfermeiros, cursos de maior mercado no Brasil em 2016? E o que aconteceu com os dançarinos, os mágicos e os astronautas? Não tem como não pensar que algo quebrou durante estes anos de estudo e mudou suas vidas. Será que foi o medo, este vilão que costuma roubar sonhos?
Mãe de dois tão diferentes e complementares. Compreendi que minha experiência plena de mãe veio neste desafio de respeitar singularidades e proteger os filhos de verdades culturais que podem servir para um, mas não para todos.
Muito pouco se pode esperar de mudanças educacionais imediatas em nosso contexto. Algumas iniciativas já estão surgindo.
Muito podemos fazer nas relações cotidianas. Precisamos questionar, abrir conversações para diminuir os danos em nossas crianças, em nossos adolescentes. Como pais, cabe a nós buscar a coerência com o que construímos de verdade dentro de nossas relações familiares e a coerência com o método educacional que vamos oferecer a eles.
Os valores que cultivamos em suas infâncias, como diálogos democráticos, espaço emocional de posicionamentos e respeito pelas diferenças, necessitam estar presentes nas práticas educacionais escolhidas. Caso não, seremos cobrados por isso. Os perderemos ou eles se perderão de si mesmos.
Ele de malas prontas, eu com lágrimas nos olhos. Assim vi meu filho embarcar para se buscar de volta. Foi fazer o High School no Canadá.
Lá iniciou seu “Currículo Subjetivo”, voltando a poder ter suas escolhas e interesses validados. Voltou a ter o prazer e a curiosidade pelo conhecimento.
Mais convicto, questiona e critica o método de transmissão de ensino tradicional e não se interessa pelos diplomas, somente pelo conhecimento.
Fez 4 anos de Psicologia, mais 2 de Design de Jogos, Terapias Corporais e de Energia, Formação em Instrutor de Shantala, estuda na Formação em Terapia Sistêmica Pós-moderna, Massoterapia e seguirá buscando o que fizer sentido para ele.
Hoje trabalha como Terapeuta de Shantala para casais e seus bebês.
O que ele quer: AJUDAR O MUNDO A SER MELHOR. Só assim. E tanto assim.
O medo e o peso de fazer o caminho “fora da caixinha” estará sempre presente para quem ousar sair fora da esteira.
E assim ele vem reencontrando o seu caminho, resgatando suas potencialidades com o apoio da família e com o feedback de seus clientes.
Escreve Storyteller *. Seu Aventureiro viaja pelo mundo. Sua generosidade e disponibilidade de ajudar as pessoas caminha por uma linguagem muito singular a ele: a linguagem do corpo.
Desta forma, como Massoterapeuta e a partir de sua história pessoal, contribui para que novas crianças sejam tocadas (Shantala) por seus pais e legitimadas em como elas são e estão no mundo.
TELMA LENZI | NOVEMBRO 2016
*Storyteller: sistema de jogabilidade RPG criado por Mark Rein*Hagen, da editora estadunidense White Wolf que utiliza o sistema D10 (dados de dez faces). Seu sistema é extremamente interpretativo, cujo principal objetivo é a geração de crônicas (histórias). Seu cenário mais famoso é o Mundo das Trevas. O Storyteller enfatiza a criação de histórias como prioridade. Os jogadores e o Narrador (que funciona igual ao um Mestre) desenvolvem histórias com os personagens desenvolvidos, com um diferencial: Os personagens devem já ter uma história pronta antes do jogo começar (O Prelúdio). Para começar, os jogadores precisam desempenhar ações durante o jogo. (Wikipédia)