Caixinha de Cristal

Carta de uma mãe para um filho desaparecido.

Meu filho,

Tenho muitas coisas para falar, e como toda mãe, falo demais.

Queria te contar uma história, a história de um herói e suas caixinhas de cristal.

Queria muito um filho. Tinha medo de não engravidar (já tinha 34 anos).

Então, quando engravidei de ti tinha medo de te perder. Fiz repouso, fiz tudo certo.

Fiquei quieta construindo a sua primeira CAIXINHA DE CRISTAL – meu útero.

Tudo correu bem e no último mês tu já davas sinais claros que queria sair de lá. Crescendo sem parar, esticando as pernas e deixando a minha barriga com pontas bem visíveis.

Tive medo dessa sensação. Também tive medo da força do teu choro de quando nascestes. Pensei – será que vou dar conta de ser mãe dele?

E assim fostes crescendo. Eu te cuidava como uma leoa. Te amamentei até 1 ano. Te dei o meu melhor, sem dúvida. 

Nos primeiros anos tu aceitaste tranquilo a tua segunda CAIXINHA DE CRISTAL – minha superproteção.

Tinhas pressa de conhecer o mundo. Eu te colocava dentro da caixinha e tu escapavas. Tu fugias. Tu experimentavas tudo. Tu pulavas sem parar, corrias, saltava pelos parques. Queria liberdade, ficar solto.

Eu não podia desligar um minuto de ti.

Na natação desde bebezinho. O menor a andar de cavalo, o mais corajoso. Todas as novidades tu querias experimentar.

Como te proteger? Como te segurar pra que não te machucasse?

Quantos machucados: joelho (muitas vezes), pontos na testa, no queixo, cirurgias de emergência. Tombo de skate. Dedos torcidos, machucados, dedos quebrado, cortados.

Quedas de bicicleta. Ufa! Fazia o que podia…

Comprava brinquedos (bonecos, carrinhos, legos, fantasias de heróis), para ficares dentro de casa sem tédio. Mas o que gostavas era de viajar, passear em espaço livre pra correr a vontade.

Lembra das Dunas? Das praias e dos hotéis fazenda? E das trilhas de cachoeiras? Como gostavas!

Como te conter? Eu ficava o tempo todo monitorando a hora de te pôr de volta na tua CAIXINHA DE CRISTAL – minha proteção. A tal caixinha de proteção nesta idade entre 4 e 10 tinha mesmo que estar sem tampa e livre para entrar e sair. Tu ficavas sempre pulando fora. E eu de olho.

Dei o meu melhor, mas te passei o meu medo. Tu não tinhas medo de nada, e isso era muito perigoso. Exagerei? Pode ser, mas só sei que não queria te perder, desde sempre, e tu sobreviveste a uma infância de furacão.

Onde foi parar essa essência? Muito medo aprisiona… Pouco medo não sobrevive! Qual a medida certa? 

Não sei.

Não atingi este ponto de equilíbrio. Como poderia te ensinar? Como poderei te ajudar?

Então entrastes na adolescência. Tantas mudanças. Mudança de cidade, mudança de mundo. O mundo urbano. Os assaltos. A vida foi lentamente se complicando.

O mundo dos Games. A internet. Como enfrentar os desafios da vida real, do mundo? Tu não sabias. Ninguém sabe aos 16 anos.

Eu tinha medo de tu te machucar. Queria te proteger de todo o mal do mundo. Dos amigos interesseiros e traiçoeiros. Das meninas maldosas. Das baladas, bebidas e drogas.

Tinha medo de saíres da CAIXINHA DE CRISTAL definitivamente como homem. Então, para te proteger, te causei outro mal: O mal do medo. 

A primeira namorada. O primeiro término. A primeira decepção. Como ela se atreveu? 

Vi tu sofrer uma dor de amor tão grande que não consegui suportar e, te puxei. Sim te puxei pra perto de mim. Para te proteger. 

Não percebia que teu sofrimento era um mal necessário. Um mal que poderia te fazer crescer. Que fazia parte do teu treinamento de adulto, da vida. 

Eu não entendia nada. Eu não queria saber. 

Tu eras meu. Meu único filho. E sofrias.

Ah! Eu te cuidei como um menino e te curei daquela dor de amor. Pelo menos era o que pensava.

Era seguro pra mim te ver por perto, sempre em casa, no PC, no quarto, viciado no jogo. Como custei para perceber o que estava acontecendo. Tu não saia mais de dentro da tua terceira CAIXINHA DE CRISTAL – teu quarto. 

E minha proteção passou a ser tua agonia.  Passou a te afetar, a te deixar sufocado.  A te enlouquecer. 

Como foi que eu não vi? Eu não podia ver.

Ah! Amar demais, amar com medo. A emoção intensa, cega, confunde, atrapalha o discernimento.

Mas tu precisavas dela. Tu não conhecias outra forma de amor. Tu não sabias o limite. Então, exausto, tu me pedias ajuda. 

Teu maior amigo passou a ser eu.

Entre o céu e o inferno, passamos os tempos da tua adolescência.  

E assim começamos a nos estranhar. A brigar e nos enfrentar. Às vezes como adversários… Às vezes com competição… Às vezes com violência. 

Teu maior inimigo passou a ser eu.

Mas não era entre eu e tu a batalha! Não era entre mãe e filho. 

Era entre a minha expectativa e a realidade de ser mãe. Era entre a tua dúvida: ser menino ou homem? Fuga ou enfrentamento? Fracasso ou vitória?

E tudo mudou de repente. Como deu essa volta?  

Agora, o teu maior inimigo não sou mais eu. Teu maior inimigo é enfrentar a ti mesmo. O medo do mundo real.

E tua inquietude desde a barriga? A tua energia de aventureiro desde menininho? A tua vibração por experiências vivas, reais?

Tu entraste para outro mundo. O mundo virtual. Tuas experiências passaram a ser através da imaginação e não da ação. Tua alma adoeceu. Hoje redes virtuais fazem parte da tua geração.

Mas qual é o ponto do equilíbrio? Jogo na internet ou jogos de futebol? Conversas online ou beijo na boca? Amigos virtuais ou amigos reais? Vício no jogo ou vício no sexo?

Tudo é bom! Equilibrar é bom! Como poderia te ensinar? Como poderia te ajudar se eu também não sabia sobre este equilíbrio?

E assim nos perdemos um do outro. Éramos só eu e tu. E tu sumiste do mundo… 

Te tirar da minha proteção, te mandar embora. Te empurrar pro mundo. Quantas vezes senti vontade, mas confundi amor com proteção. 

Então era esse o caminho? E de que forma fazer?  Como pedir isso para uma mãe? Como convencê-la que amar demais faz mal? Que proteção demais é sentida como castigo? Tinha medo de tu não dar conta e se perder?

Quem pode me condenar?

Não importam os outros. 

Eu me condeno.                     

Como isso aconteceu?

Fui boa mãe de ti menino. 

Mas do adolescente não acertei o ponto entre proteção e liberdade. 

Parte minha se manteve na minha caixinha de cristal do medo da vida real. 

Ficava confusa com medo e raiva. 

E te deixei confuso e com medo e raiva de mim. 

Tua energia foi gasta neste conflito. 

E entre eu e tu, tu te foste de mim.

Agora, estou te entregando a ti mesmo para continuares. 

Agora tua vida, tuas experiências estão contigo. 

Nada mais está comigo. Nem tu estás. 

Não posso mais controlar para que não sofras. 

Pelo contrário, sou a causadora da tua dor.

Por outro lado paradoxalmente continuo a ser aquela que te faz crescer.

Minha voz irá contigo!

 

“Ser mãe é padecer no paraíso”

Telma Lenzi | Maio de 2009

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Sejam Bem Vindos!

Passei o fim de semana arrumando a Casa Antiga, onde acontece o Curso de Formação e a Clínica Social.

Final de mais uma etapa de obras. O telhado caiu, as paredes ruíram. Achamos uma escada no lixão e adaptamos a nossa sede.

Passei o fim de semana pensando em vocês: meus alunos, futuros alunos, minha equipe de trabalho e voluntários.

Temos uma ONG! A ASSIM (Associação Instituto Movimento) está aí!

Sem receita financeira; só o Movimento patrocinando. Temos telhado novo para não chover mais dentro, mas não temos todos os móveis. Temos escada, mas não temos divisórias. Temos estrados novos, mas as almofadas são as mesmas.

Somos uma ONG! A ASSIM esta aí!

Só desta forma o sonho de manter o Curso de Formação e aumentar o número de atendimentos psicoterápicos aos clientes carentes da Clinica Social, vai deixando de ser um empenho pessoal desgastante e passa a ser uma Obra. Obra de todos nós.

Não é fácil sonhar um sonho considerado impossível, como um capricho. Vieram críticas, decepções e abandonos, mas tive insanidade suficiente para segurar por 20 anos.

Sonhei que daria conta de patrocinar esta Obra, mas não é mais possível. Cresceu e pediu ajustes profundos e necessários, que nos fizeram repensar os caminhos para alcançar o objetivo maior. Objetivo de prestar atendimento a uma grande demanda da nossa comunidade carente, que precisa de uma rede de profissionais que passaram, passa e passará pelo curso de Formação Sistêmica.

E assim, nasce a ASSIM: Associação Instituto Movimento.

De todos nós, da equipe, dos alunos, ex-alunos, futuros alunos, dos professores, da comunidade, dos amigos, doadores e voluntários, e de quem mais quiser fazer parte.

Faltam coisas, mas não falta coração no que fazemos. Temos paixão pelo que vem pela frente: A alegria e a tensão de ver um novo terceiro ano acontecer em 2008, com guerreiros para realizar um trabalho de verdade, forte e ressonante; a prática de ser um terapeuta sistêmico; inovações de equipe reflexiva sem espelho; e, o atendimento de grupo – os dois primeiros grupos de psicoterapia na Clínica Social da ASSIM: MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA E GRUPO DE PAIS OU RESPONSÁVEIS. Marco de lançamento da ASSIM.

As imprevisibilidades que aguarda o segundo ano. Como acontecerão as tramas deste grupo tão intenso? Será que todos voltarão? Fecharam de maneira tão especial, como retornarão? Tantos temas, tantos autores, o FOT II os aguarda.

E, para os futuros alunos... Muitos já estão inscritos. Muitos virão ou estão pensando. Ao lerem este chamado, poderão resolver ficar bem longe disto tudo, ou ficarem com vontade de fazerem parte desta História. História da Psicologia.  História de uma indignação por falta de atendimento de Psicologia a carentes, História de uma “Cuidadora” sistêmica.

Sei que não é fácil estar ao meu lado. Sou indignada com omissos e indolentes.

Sou incansável diante da busca de ir além. Sou emocional e “Cuidadora”. Agitada e intensa, e, gosto de ser assim.

Para quem está comigo. Obrigada por me aceitar!

Para quem se foi ou quer ir embora, eu entendo, mas é pena!

Para quem não experimentou. Venha! 

– Venha!

Preciso de alunos, da equipe, de voluntários, de muito apoio para esta Casa Antiga vibrar. Preciso das histórias pessoais dos alunos e de suas famílias, das discussões em aulas – seriam aulas ou sessões de terapia?

Preciso do processo das turmas se transformando em grupo; das polêmicas, dos conflitos do pensar diferente de cada um. Preciso ver surgir os generais, as loucas e vítimas de cada grupo – mesmo que de vez em quando nos tenham escolhido para inimigos. Preciso de pessoas que queiram mais. Mais de si mesmos, de conhecimento, de teoria, de troca emocional, de crescer sem medo de ser feliz.

Só desta forma concebo a Formação: a teoria acontece nas aulas teóricas e nas trocas reais; no aqui e agora somos e seremos sempre sistêmicos. Sem verdades absolutas, sem confronto, com profundo aceitar do outro. 

– Venha!

Somos uma ONG, ASSIM.

Precisamos de tudo e, por outro lado, não nos falta nada, porque temos o essencial: a certeza que estamos em nossa missão de vida. – Será a sua missão também? 

– Venha!

Traga a saudade, amor, vontade, avidez de aprendizagem. Traga tolerância pelas dificuldades que ainda teremos que passar. Traga doações. A ASSIM é de todos nós. Vasinhos, vasos, floreiras. Florzinhas, incenso, porta incenso, CD de música New Age – Você tem um especial? Copie para todos nós – almofadas, pufs, cadeiras ou o que mais pensar. – O que você tem que pode ser o símbolo de doação e desapego? Mas, além da doação… 

– Eu quero você por inteiro!

Para vivenciar esses processos, seja como aluno na Formação, como voluntário, como equipe, como cidadão responsável social. A ASSIM é um lugar para crescermos e sermos melhor. Ninguém que por aqui passou é, ou será o mesmo. Cresceu como pessoa!

Eu agradeço a minha teimosia de ter mantido a Formação e a Clínica Social e, agradeço a cada um a possibilidade de serem mobilizadores do meu crescimento pessoal.

Estou esperando por você!

Telma Lenzi |Março 2008

O quê você quer de Natal, Mocinha?

Minha história começa em uma cena de Natal. Shopping Oslo em Córdoba – Argentina. Preços convidativos. Uma grande oportunidade: Mais presentes podem ser comprados!

Quero este, quero aquele também, quero comprar mais, quero me garantir, quero aproveitar. E uma sensação de agitação, prazer toma conta de mim. Ou será ansiedade? Não importa. Adoro dar presentes. Presentes para todos que gosto e que estiveram perto de mim nesse ano. É a minha forma de demonstrar amor por quem eu amo: dar presentes.

E o shopping borbulhava de pessoas. Muita gente, muitos brasileiros, com a mesma intenção.

Aproveitar a diferença de câmbio. Stress para aproveitar a oportunidade. Presentes… E o tempo passando. Do prazer para a agonia. Agonia do barulho e agonia das pessoas. Filas nas portas é sinal de mais vantagens, promoções relâmpagos. As pessoas se atropelam. E lá estou eu e minha agonia. Vontade de acabar depressa.

Procuro pela minha consciência individual e nada. Ficou perdida na multidão. Então, no meio da orgia natalina, um pouco mais a frente um velhinho simpático, gordo e tranqüilo contrastava com a cena que ia ficando para trás.

Um Papai Noel perguntava a uma menininha:

 “O que você quer de Natal”?

Eu fui me aproximando (na verdade, minha menina interna me puxando). Fiquei olhando aquela cena, como se estivesse em estado de encantamento. Ah! Eu queria colo, consolo daquele bom velhinho.  Meus pensamentos enlouqueceram.

O Papai Noel esticou a mão com balinhas para mim. Timidamente  aceitei. E ele me perguntou:

O QUE VOCÊ QUER DE NATAL, MOCINHA?

Sorri constrangida com a pergunta, e emudeci. Atordoada, fiquei parada olhando pra ele. Dentro de mim, algo me tragava de volta pro meu mundo interior, me resgatando do coletivo. Arrastou-me como uma onda gigante me levando de embrulho até a areia da praia.

Aos poucos fui me restabelecendo do impacto, queria sair dali. Busquei um banco do lado de fora do Shopping. Procurei por um café. Mesinhas na calcada, um lugar tranquilo. Precisava me sentar. E ele perguntou de novo, agora nos meus pensamentos?

O QUE VOCÊ QUER DE NATAL, MOCINHA?

O que eu quero do Natal? Como assim? O que eu quero para 2008? O que eu gostaria mesmo de me dar? O que me falta de verdade? O que quero dar pra quem eu amo?

Não quero dar nada disso: correria, agitação, ansiedade, comercio, tensão de final de ano. Tudo não acaba 31/12. Tudo acaba e começa todo instante, todo dia.

Não quero mais isso na minha vida. Não gostaria de ver quem eu amo nessa armadilha, também. Tudo isso eu não quero. O que eu quero então?

O que eu quero dar pra quem eu amo, de tão especial que possa fazer uma diferença em sua vida? Minha forma de demonstrar amor é dar presentes. Carrego comigo lentidões, padrões a serem mudados. Preciso dar outro significado a isso. Quero dar presentes especiais.

Quero sonhar!

Para os que estão planejando uma viagem cinco estrelas.

Meu presente são passagens para o seu próprio mundo interior. Percorrer o caminho dos seus valores e mitos. Subir o morro mais alto de suas alegrias, enfrentar as cavernas dos seus medos, visitar os vales dos seus sonhos de paz. Resolver pendências, dar explicações sobre você, a você mesmo. Hospedar-se em sua alma.

Para os que sonham com a casa dos sonhos.

Meu presente é um lar, que se torne seu santuário. Mobiliado com suas lembranças. Impregnado por seu estilo. Onde você experimenta o bem- estar. Todas as cores. Ou tudo branco. Um quintal, um jardim, uma varanda para desfrutar do sol. Praticar a essência de morar.

Para os que querem uma jóia.

Ofereço de presente o ouro do mais puro quilate que são os relacionamentos, os amigos. Amigos para todas as horas. Amigos para dar risadas. Outros só para as horas difíceis. Amigos de uma vida toda. Amigos de uma estação. Amigos distantes e presentes. Todos importantes. Amigo é melhor que gente influente.

Para os que apreciam objetos de luxo sofisticados.

Quero lhe presentear com objetos especiais. Luxo é aquilo que é raro, escasso, exclusivo, ou seja, tudo o que não é comum nem usual. É emocional. Então vamos escolher. Temos por aqui vários deles:

O silêncio. Alto valor emocional e que é raro.

Estilo próprio. Apreciar as coisas fora do seu contexto.

Atitude chic. Abrir mão do Status.

Responsabilidade Social. Uma preciosidade.

A pausa para o café na esquina, o cheiro do pão, o sorriso do filho, o mar, a chuva, e o que mais for raro para cada um.

 

O VALOR DAS COISAS É MEDIDO NÃO PELO QUE ELAS VALEM, MAS PELO SIGNIFICADO QUE VALE PARA CADA UM.

Vem na minha mente uma frase que gosto muito: “Simplicidade é o máximo da sofisticação” de Leonardo da Vinci. O garçom interrompe a minha conversa interna trazendo a conta.

Vou seguindo meu caminho, e a pergunta aparece de novo: 

O QUE VOCÊ QUER DE NATAL, MOCINHA?

Já tenho, agora, uma resposta e isso me faz bem.

Quero o meu luxo. Quero tornar-me a medida do meu luxo. O valor medido pelas emoções vividas. Quero tudo que me devolva para a minha verdade. Da aparência para a essência. Que me eleve do ter para o ser. Quero as experiências de alto valor emocional que me são raras Quero o presente de estar presente!

Telma Lenzi | Dezembro 2007

“Sonhar é o melhor de tudo e muito melhor do que nada”. (Luis Fernando Veríssimo)

 

 

 

É possível ser feliz no casamento?

Vamos começar a nossa conversa modificando a acentuação do titulo: é possível ser feliz no casamento!

Em um mundo de pressas, consumo e performances, o casamento também corre o risco de ser facilmente descartável.

O  número de divórcios aumenta. Mas o número de pessoas que querem uma relação estável também.

Todos queremos um parceiro(a). Todos concordam que ser casal aumenta a qualidade de vida, de bem estar, diminui risco de doenças psicossomáticas, favorece o crescimento.

Mas esse é o paradoxo: favorece o “crescimento”. Mas crescer dói.

Crescer é tomar conta a criança mimada, magoada, braba ou birrenta que existe dentro de cada um. Sendo que muitas vezes, na confusão emocional da avaliação das dores de uma relação, muitos casais tomam descaminhos: briga, mágoa, abandono, rejeição, solidão a dois, traição, separação.

Crescer dá trabalho e leva tempo. Crescer exige disponibilidade emocional. Crescer é aprender a ser sozinho para poder ser casal. Crescer exige a atitude de Amar.

Afinal quando se diz: eu te amo? Afinal como se define o Amar, e o Amor?

O ato de Amar é construído no campo da emoção chamado Amor.

Para Maturana (biólogo Chileno), “o amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência”. (1998).

Um antigo registro da definição de Amar datada de 50 d.C.(E. aos Coríntios), nos fala da atitude de amar: “Em essência, o amor é paciente, bom, não se gaba nem é arrogante. Não condena por causa de um erro cometido, não se regozija com a maldade, mas com a verdade.”

Então ser um Casal envolve aceitação mútua, dos fatos, das circunstancias, da própria vida como ela se apresenta. Envolve um ato de grandeza, e está longe de ser entendida como submissão ou passividade.

Um exemplo para este tipo de amor é o que sentimos por nós mesmos. Normalmente a gente se ama e se aceita nos diversos erros que cometemos a cada dia. Perdoamos-nos rapidamente. Não ficamos de mau e nem querendo nos abandonar ou questionar se vamos conseguir conviver com a gente, não é mesmo?

Então porque parece estranho, se praticamos este amor o tempo todo conosco?

A expectativa no casamento (e consequente frustração) de desejarmos que o outro seja do jeito que a gente quer, nos dificulta a ver a pessoa do jeito que ela é e precisa ser vista e amada. Isto é que chamaríamos submissão e passividade diante de uma criança interior que deseja as coisas de um jeito que não poderão ser. Esta atitude leva a sofrimento pessoal e sofrimento da relação.

Aceitar, apoiar e encorajar um ao outro para que aconteça este processo de lidar com a perda da ilusão (frustrações) é o que chamaríamos: um relacionamento, um casamento de amor.

Nossa necessidade emocional básica não é nos apaixonarmos, mas sermos verdadeiramente amados por alguém que nos escolheu amar, que vê em nos algo digno de ser amado.

Os ajustes de um relacionamento quando existe a escolha de amar e ser amado serão feitos com paz, menos medo e mais sabedoria.

E o que a gente ganha quando ama?

Para Dalai Lama (mestre tibetano), o Amor é uma emoção que nos devolve paz, força interior, autoconfiança na nossa condição humana, reduz o medo, a raiva o ressentimento e vem acompanhado de sabedoria e paz.

O resultado maior de amar é se permitir sentir a própria experiência do amor; que é pessoal única e interna. É o que se sente, é a paz pra quem se doa neste sentimento.

Talvez você leitor esteja se perguntando:

Como posso avaliar meu casamento? Como posso diferenciar se estou apaixonado ou amando para pensar em um relacionamento mais serio?

Faça-se quatro perguntas a você mesmo:

  1. É uma escolha minha conhecer e ter um relacionamento com este(a) homem / mulher?
  2. Estou me esforçando para que de certo?
  3. Estou interessado em incentivar o crescimento pessoal dele(a) e vice-versa, ele(a) de você?
  4. Esta relação esta causando crescimento, transformando-nos em pessoas melhores, em todos os sentidos: afetivo, profissional, espiritual?

Se a sua resposta for Sim para as perguntas, você está em um relacionamento de amor. Agradeça e usufrua.

Se as respostas forem Não ou mais dúvidas, pare para refletir.

A experiência da paixão não é um ato da vontade nem uma escolha consciente. Não visa o crescimento pessoal nem da relação, e dificilmente fornece o senso de realização.

Pergunte a você mesmo a terrível pergunta que Nietsche sugeria ser feita pelos casais diariamente: Preciso desta relação para sobreviver emocionalmente? Se for sim á resposta, esta relação esta fadada a um fim.

Escolha a vida! Escolha o caminho do bem estar, com compromisso com você mesmo.

Comece o dia perguntando-se o que posso fazer por mim mesmo para que o meu dia e (minha vida) seja pleno ?

Telma Lenzi | 2007

Conversa Íntima

Homem,

Vim até aqui de mansinho. Bem devagar, pelas bordas. Com todas as preliminares que o assunto pede para falar de homens, falar de mulheres, falar de Sexo. Falar de mulher para homem.  De mulher para o seu homem.

Sabendo dos riscos que o tema envolve, mas, mesmo assim, vou te levando pela mão.

Sei que não há nada de mais sensível, emocional e delicado do que seu pênis.

“Ele’’ se ressente facilmente com as cobranças, pressões do mundo, do desempenho e competências. “Ele” se ressente com as mulheres, mas as quer . Deseja elas assim como mulheres desejam homens.

Há muito para conversar, universos tão diversos, regências hormonais tão descompassadas.

O masculino anda em linha reta, o feminino em ondas: grávida de lua, ávido de mar. Quem é o estrangeiro? Quem é do seu lugar?

Então, quero te pedir desculpas, mesmo não havendo culpa, só descaminho – Reconstruir uma narrativa íntima de nós dois.

Ah! As muitas dores que te causei.

Desculpa pela dor de teres entendido – só mais tarde, se é que entendestes – que aquele lugar perfeito era provisório – só por nove meses.

Desculpa pela quebra da díade perfeita – excesso de amor e zelo, paixão – exclusividade temporária.

Desculpa pelo abandono aos doze anos, quando ficastes para trás, um menino, e eu me tornei mulher, cortando nossos pactos de infância e voltando o meu olhar para os rapazes mais velhos.

Desculpa pelo constrangimento causado quando me insinuei para ti, com toda a força de minha sensualidade aos 16 anos; e tu, na explosão testosterônica, me ofendeu oferecendo sexo. Ora, era só admiração que minha intenção buscava.

Desculpa pela convivência ao meu lado; em ondas, em dispersão, em ciclos estrogênicos, em picos emocionais, em  falas de queixas que não pedem nada – ou melhor, pedem colo.

Desculpa pela decepção e complexidade de ajuste, ao saber que o meu orgasmo não vem com o carinho interno do pênis na vagina – existe o lugar do orgasmo feminino (clitóris) que exige atenção.

E sobre esse orgasmo tão cor–de–rosa? Por onde seguir?

Pela menina:
Ela pede o caminho do sexo lúdico, um jogo criativo sem regras preestabelecidas. Quer ganhar prazer. Pede o carinho do toque – suave pelas bordas do mingau quente.

Pela mulher:
Ela sabe qual o seu caminho – único e pessoal – solta a informação por escolha, escolhe o momento e conduz com gentileza o seu prazer. Sabe que cabe a cada um a busca do seu prazer.

Pela cigana:
Ela vem de repente, sem avisar. Confunde tudo. Roda a saia vermelha e incendeia a cena. Pede mais – mais toque, mais força, mais pegada, mais prazer.

E, ele (o orgasmo feminino) chega cor-de-rosa. Às vezes, único, forte e denso. Às vezes, múltiplo e sem fim.

Às vezes, não vem.

Às vezes, vem e não quer ir embora – perpetuando-se num prolongado abraço tântrico.

Escolher por onde seguir é a arte de conhecer uma mulher e as várias mulheres, Personagens Internos que a habita. A arte de entender o orgasmo feminino. Imprevisível, indescritível, incompreensível – De lua.

Desculpa, por fim, meu parceiro, se teus hormônios te pedem sexo aos 70 anos; e, o meu corpo pede abraço – transcendendo o ato físico pede o sexo espiritual.
Eu te desculpo por não me conheceres.

Mulher

 

Telma Lenzi | Outubro 2007

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Saudades

Devia ter te beijado mais, apertado mais as tuas bochechas de menino, te olhado mais. Devia ter prolongado mais o abraço, arrastado mais a conversa. Prolongado mais os goles do café.

Permitido mais o toque no tapete de veludo do teu peito. Pronunciado mais eu te amo, mais elogio, reclamado mais para ganhar mais colo. Queria ter dormido menos, brigado menos, desviado menos do caminho, desviado menos o foco das conversas.

Ter menos medo e raiva. Sorrido mais, chorado mais.

Porque não segurei o tempo, não afastei o vento que levou as horas naquela tarde na praia, para evitar o por do sol chegar? Porque não afastei o vento nas noites frias, porque permiti ele nos levar embora? Pra que correr pra chegar na hora se, o que se ganha no que se perde são almas novas, amigos novos, cenas, vida.

Como segurar a cena? Como voltar nela e vivê-la mais um pouco?

Quero nossas conversas as cinco da manhã na cama. Quero nossas conversas quase diárias e noturnas ao telefone. Todos já sabiam: são elas.

Quero nossas conversas no quarto de costura. Eu sentada na mesa de passar roupas, só espiando a vida que aconteceria pela janela, ao som da maquina de tricô.

Quero mais do banho de mangueira na areia, dois meninos pelados, uma foto, uma encrenca. A foto sumiu. Escutar o estrondo, escandaloso e feminino, das tuas gargalhadas azuis e exuberância loira, até eu aprender o sorriso da foto.

Quero os teus olhos azuis de volta. Quero tu de volta pra mim. O azul da esperança em um mundo de azulejos brancos. O jogo perdido na vitoria de 1 x 0. Não foi justo tu morreres antes de eu chegar.

Sumiram tantas coisas: o corcel amarelo de teto preto, o opala vinho, que depois virou prata, o buggy azul, a blazer preta.

Tudo tão depressa, nem fui avisada.

Ou será que fui e não acreditei?

Como segurar a vida? Qual o problema se eu estender os momentos? Qual o mal em querer mais, sempre mais?

Segurar o tempo, segurar o ciclo, segurar o processo, segurar os hormônios e os orgasmos. Ficar na cama branca, templo pro nada e tudo. Querer mais luas cheias no mês. Querer mais horas no dia. Querer mais dias de fins de semana. Mais dias de vida.

Correr? Só por prazer na Beira Mar. Ou se for correr atrás das minhas idéias, dos personagens da minha mente.

Quero inverter fatores: sabedoria aos trinta pra não jogar vida fora. Sabedoria aos quarenta pra não jogar o presente fora. Sabedoria aos cinquenta ainda tenho mais uns anos pra alcançá-la.

 O que ela quer chegando aqui de mansinho? Eu não a chamei. Não a quero já.

Vem para me desiludir. Para que aceite enxergar meu esforço inútil. Droga. Mais do que inútil, um esforço burro. Uma dor injusta que me causo no tempo presente perdido, de ficar no passado.

Ah! Mas não quero me resgatar de todo.

Deixa-me um pouco ser meio louca.

Quero manter a Cigana e a menina em mim. Só uma loucura mansa ainda peço então.

Vou me jogar no futuro. Quero segurar o tempo do teu olhar quando chegares.

Vindo em minha direção me buscas. Sorrindo pousas no meu olhar.

Ah! Esse momento é só meu.

Vou eternizá-lo.

Telma Lenzi | 2007

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A dor do Medo

Temos um feriado no meio da semana, no meio da correria, do furacão. Um pausa. Como é difícil tomar ou retomar a paz, o controle de nós mesmos.

Muitas vezes escolhemos ter o controle do nosso mundo externo, nosso trabalho, nosso dinheiro, os outros.

E quando tentamos controlar as pessoas que nos cercam, as pessoas que amamos dizendo que estamos cuidando delas?

Controlamos seus atos, suas rotinas, oscilações.

Interferimos em suas escolhas, justificando nossa experiência maior.

Escolhemos sugerir caminhos, como se houvesse de fato um caminho a seguir – apenas ilusão.

Tentamos fazê-los ver o que enxergamos, como se os seus olhos vissem o mesmo mundo que nós vemos – apenas ilusão.

Tentamos falar de atalhos, precauções e cuidados para que evitem a “Dor” das desilusões com a vida e com as pessoas.

Mas o que seria de uma pessoa sem a dor do processo de assumir a própria existência? Sem a certeza de estar fazendo o melhor, que pode e vai falhar e que só na experiência saberá que amanhã será melhor?

Que dor é essa que queremos evitar no outro, amigos, filhos, parceiros (as), que amamos?

Esta dor é deles ou nos pertence? Mas que dor é essa, então?

Será  a dor do MEDO?

Medo da dor que sentimos ao vermos a dor de quem amamos.

Uma dor de descompasso. Dor de impotência, dor de empatia, dor de amor e cuidado.

Uma dor de mãe ao proteger o seu bebê. Uma dor injusta e bela!

Dor avassaladora e humana! Dor de permitirmos ao outro a sua dor.

E desta forma voltamos para nós mesmos – de volta ao nosso mundo interno.

Como é difícil tomar ou retomar o controle de nós mesmos.

Serenar nossos mente nossos sentimentos, nosso medo da dor. Medo de se perder na dor – medo da perda do Controle! 

Transformar o controle externo em interno. 

Transformar controle em cuidado. Devolver o cuidado para o ponto do amor. Transformando o desejo de cuidar do outro em autocuidado. Sermos nosso próprio bebê e nossa própria mãe.

O melhor caminho é o caminhar construído por cada um no seu mundo interno. Sem certos e errados, sem verdades únicas, sem controle da imprevisibilidade!

A arte de estar com pessoas que amamos – filhos, pais, parceiros, amigos, etc.  Estar sem controlar. Estar verdadeiramente junto, na sintonia entre o que o outro pede e o que posso dar.

A arte de não abandonarmos nem a nós nem ao outro.

Só depois que lutarmos contra nosso inimigo interno, o Personagem Medo, adquirindo um controle gentil sobre ele, e que estaremos aptos a sermos Mestres nessa vivência humana.

A dor do Medo não tem legitimidade.

O medo das pessoas controladoras,  em sua legítima intenção de amar, cuidar, evitar o sofrimento de quem ama, não será compreendido. Causará uma segunda dor ainda maior, a dor da violência psicológica.

Quem ama cuida. E precisa cuidar pra esse cuidado não virar controle. Pois quem controla pratica opressão, violência psicológica e muitas vezes violência física.

Telma Lenzi | Junho de 2007

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Para Bruno – Como se tornar um Psicólogo

Sexta feira, 18hs. campus da UFSC. 

Estou esperando os meus dois filhos saírem do SCAM – Simulação de Combate com Armas Medievais. Fico observando essa paixão dos meus filhos.

Às vezes penso que eles são de outra época mesmo. Cavaleiros Medievais. Vendo eles colocando as suas armaduras. São os personagens da história deles.

Isso me remete ao passado, a paixão que tinham na infância, pelos bonequinhos de armaduras – cavaleiros do Zodíaco. Parece a mesma busca.

Olho em torno e vejo estudantes indo em direção ao ponto de ônibus com suas pastas com nomes dos cursos: História, Odontologia,Psicologia.

Isso também me remete ao passado, ao meu passado. Lembrando de mim como estudante naquele mesmo cenário a 25 anos atrás.

Como se deram minhas aprendizagens?

Mais à noite conversando com uma amiga que retornou pra faculdade depois dos 40, ela comentava da falta de maturidade dos colegas jovens, da não participação em aula. Saem no intervalo e não retornam pra aula, ela dizia.

Como foi a minha faculdade? 

Na mesa do bar da Reitoria no intervalo das 10 hs. Ali a minha maior escola. A aprendizagem de se relacionar com pessoas.

Refletindo sobre essas coisas não pude deixar de sentir um sentimento de urgência. 

Bruno! Preciso te dizer algo de mim.

Meu filho, quando eu estava fazendo 25 anos de formada, no mesmo mês tu entraste na mesma faculdade minha, no mesmo curso. 

Não foi fácil pra mim.

Um filho que escolhe a mesma profissão da mãe.

Mas porquê?

O sentimento parece medo.

Mas medo de que? 

Medo do processo! 

Como se tornar uma Psicóloga, um Psicólogo? 

O que aconteceu com nosso mundo que desaprendeu o cuidado de cada um com a sua saúde mental?

Somos um ajuste do Sistema? 

Na Índia não tem Psicólogo. Estamos a serviço de quem e pra quem? 

Ser um Psicólogo

Que busca. 

Como conhecerás tua emocionalidade para lidar com os sofrimentos humanos? Porque os limites da nossa prática são definidos pelos limites da nossa emocionalidade.

Que ausência de poder.

 A arte de influenciar pessoas a viverem com mais bem estar, mas quem define o que é bem estar é o outro.

Que possibilidade. 

A aventura do autoconhecimento, a missão de vida de um terapeuta! 

Que desafio. 

O caminho da humildade e da ética.

Mas sabes onde aprender a caminhar caminhos com sentido se a verdade não se estabelece mais como absoluta?

Como aprender então a estar pessoas e não tratar pessoas? 

Aprendendo a conviver com pessoas. 

Estando disponível para a arte dos relacionamentos humanos. 

Um lugar de possibilidades. 

Onde não há certos nem errados. 

A verdade é de cada um.

A aceitação do outro precisa ser legitimada. 

E na relação com o outro há uma encontro humano como um espelho auto refletido.

É na vida, então este lugar. 

No projeto de cada um, de como vai querer estar no mundo, que se estabelece essa aprendizagem. 

Nas relações familiares, amorosas e de parcerias. 

Nas experiências positivas e negativas. 

Na externalização das emoções ou na frustração implodida de não poder expressá-las. E na escolha entre essas duas possibilidades. 

Nos papos profundos na mesa da vida. 

No treinamento do Scan.

Então preciso te perguntar, meu filho: qual o teu projeto de “Ser uma Pessoa”?

Porque só depois de termos adquirido as habilidades de “Sermos Pessoas” é que estaremos aptos a estabelecer um verdadeiro encontro humano, no projeto de sermos Psicólogos.

Telma | 7/04/2007

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Para Lia

Hoje acordei cedo pensando em ti com carinho.

Ia te escrever, mas antes fui meditar.

Na meditação da manhã, veio na tela mental o que eu quero para mim, meu propósito na vida. 

Uma sensação de plenitude, de estar tudo certo, tudo no lugar.

Fiquei rindo de mim e para mim. Em meio a tanto caos, dificuldades, a obra para construção da ONG, tantos obstáculos – minha alma está tranquila e plena.

Olhei-me de fora e pensei: tenho orgulho de mim. Da minha força, coragem, aprendizagem, da minha guerreira. 

E da minha vítima? 

Porque não tenho um bom contato com essa Personagem Vítima?

Vítima e vitoriosa. Um paradoxo!

Porque esta é a parte mais difícil para mim?

Sinto dor pelos “nãos” que a vida me dá. Pelos obstáculos, pela incompreensão. Pelas perdas, pela falta do aplauso, pela exposição do erro apontado, pela fala do que ainda falta.

Mas existe outra dor maior e da qual eu não posso culpabilizar o outro, romper, ou me afastar. É uma dor que continua no meu mundo interno.

Uma dor de um Personagem  Algoz, para com minha Personagem Vítima.

No meu mundo interno tem uma voz que me diz ‘NÃO’. 

Que não aplaude, nem apóia minhas empolgações. Que está sempre pronto para apontar o erro e o que falta.

Que teima em olhar pro passado com culpa, que coloca obstáculos, me trai e me rouba a paz quando me desqualifica.

Olhando mais de perto, sinto nele uma intenção de guarda-costas, uma proteção exacerbada que impede outras vozes: A teimosamente otimista, a ativista e a romântica. 

O Algoz me dizia: 

Preciso te proteger das ilusões do mundo para evitar a dor que a desilusão te causa. Então, eu te coloco a buscar a perfeição.

E com este paradoxo me torno a vítima de mim mesma – buscando a proteção do que não pode ser protegido (desilusão), cria uma nova ilusão (perfeição).

Neste jogo interno segue a minha vida.

Horas vence a Vitoriosa, guerreira de mim mesmo – expressa em atos e construções amorosas. Grande aprendiz e cuidadora.

Outras horas a Vítima – desqualificada pelo Algoz, assolada pela culpa da imperfeição. Submetida a uma penitência de reclusão para reparar os erros.

Como posso querer eu, ficar a vontade com as críticas desqualificadoras externas, se uma parte de mim já sucumbiu a elas?

Como posso criar uma saída para este paradoxo?

A Mestra interior, respondeu:

Não existe o não sofrer, este viver da forma que gostarias.

Não se iluda. Des-iluda-se!

Aceite a vítima, o sofrimento de desiludir-se.

Aceite a dor dos processos humanos e relacionais, aprendendo a conviver com eles.

Converse, transforme seu Personagem Algoz em um Medo protetor e mantenha-se acompanhada dele. Atualize sua tarefa de avaliar os riscos mas não impedi-la de ver e viver as possibilidades.

Resgate-se da reclusão penitencial do erro e seja acolhedora consigo. Os erros virão e os acertos também.

A culpa é só uma crença de que é errado errar. Liberte-se dela. 

Aceite sua condição de imperfeição humana!

Saí do estado meditativo com uma forte emoção.

Uma sensação de profunda esperança, de um caminho a seguir.

Sim, minha amiga. Precisava te contar tudo isso. 

Porque acordei pensando em ti e te pergunto: 

De alguma forma essa reflexão faz sentido para ti? 

Essas vozes opressoras também te habitam?

Queres me contar sobre isso?

Os diálogos do mundo continuam sempre, no privado, em nossos diálogos internos.

Assim, cada um segue com seu itinerário e reflexões transformadoras. E no ato de compartilhar, estarmos em conversas, novas possibilidades vão surgindo no caminhar. 

É no andar da carruagem, nos diálogos, que as melancias, nossas emoções, se ajeitam!

 

Telma Lenzi | Março 2007.

 

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