Conversa com a Criança Interior

Hoje tive um encontro muito importante.

Com ela.

Essa menina de 6 anos, minha Personagem Criança Interior me fez umas perguntas interessantes.

Ela me pergunta, o que eu fiz com as coisas que ela mais gostava de fazer.

Se eu, como adulta sigo fazendo o que me fazia muito feliz.

Fui questionada sobre muitas coisas e aqui compartilho algumas delas.

– Tu ainda sobe naquela árvore do jambo e fica imaginando histórias?

– Sim muito.

Mas na imaginação.

Imagino eu lá em cima da árvore, vendo nuvens. Aí eu escrevo as histórias e publico para inspirar pessoas.

– E escutar as conversas dos adultos, principalmente as proibidas da ditadura?

-Adoro.

Converso e escuto muito as idéias das pessoas (autores) em seus livros.

Gosto tanto de escutar histórias, conversar que virei Terapeuta. Escuto historias o dia todo.

E sobre as histórias do pai que protegia perseguidos políticos, isso me marcou muito.

Sou bem ligada nas injustiça do mundo, a gente chama isso de Ativismo Social e temos uma ONG.

– E brincar de casinha, arrumar os móveis, que era a melhor parte.

E as minhas bonecas?

– Simmmm. Amo decoração, que é arrumar os móveis.

E brinquei muito com meus 2 bebês. Hoje continuo acompanhando eles na vida adulta deles.

Ah! E o Momo está aqui comigo.

– Mesmo o meu MOMO?

Eu queria dizer “é meu” e saia MOMO. Daí ficou o nome dele, hehe.

– Sim. Este mesmo. O primeiro bonequinho.

-E brincar com os carrinhos do meu irmão, que eu adorava?

-Sim. Adoro meu carrinho de verdade e gosto muito de uma estrada pra dirigir.

Já fiz Raly e tudo. Que é brincar de jogar corrida de carrinho, na lama.

– Ohhh. Que legal que tu ainda brincas dessas coisas.

-E as brigas com o pai para fazer asa coisas que só os meninos podiam lá em casa?

-Hehe. Foi bom isso, né.

Tu conseguiu ir no jogo de futebol que era só para os homens.

E isso fez eu nunca recuar quando a regra do mundo proibia algo por eu ser mulher.

 

 

 

E sermos em 5 mulheres em casa sempre me aproximou muito do mundo das mulheres. Hoje no meu trabalho somos muitas, a maioria mulheres. Amo.

– E ainda como chocolate e bala escondido do mãe e do pai?

– Bom. Era bem divertido encontrar os esconderijos que mudavam de lugar, né?

Ainda adoro uma besteirinhas, chocolate então… Mas hoje tenho que esconder de mim mesma. Hehe.

– E teu quintal tem gabiroba, jambo rosa e amarelo, araçá, goiaba, pera, ameixa, banana e pitanga, né?

Porque o quintal é o melhor lugar da casa e eu adoro ficar lá.

– Ohhh. Não. Isso ainda estou me devendo. Mas prometo pensar nesse projeto fortemente.

– E o meu problema de não gostar da escola, não prestar atenção no que não me interessava, me prejudicou muito?

-Não.

O problema não era tu, mas o tipo de escola.

Hoje atendo muitas crianças criativas que não gostam da escola tradicional, também. Pouca coisa mudou, mas tá melhorando.

-Ufa. Fico mais aliviada de saber. Ganhei tanta bronca das professoras.

– Tem coisas que me deixam muito triste. Queria saber se vai passar.

– Pode perguntar.

-Eu consegui parar de fazer Xixi na cama?

Eu fico triste com isso.

– Sim.

Tudo tem seu tempo e as coisas foram sempre se organizando pra melhor.

– Obrigada por me contar. A menina fala com um tom de alívio.

– Queria fazer uma última pergunta. E a pior pergunta…

E o pai? Tenho medo que ele morra. Isso me deixa muito agoniada.

– Sim.

Foi bem difícil todos esses anos de infância com esse medo e ele tão doente.

Mas ele viveu até eu ter 26 anos. Me ajudou, apoiou muito no inicio da vida adulta. Um super pai pra todos nós.

Ela suspira e seus olhinhos se enchem de lágrimas.

–  Tchau, vou brincar.

E ela sai correndo. Mas de repente volta as pressas.

– Ei, pera, pera. Tem mais uma aflição em mim. Posso só mais uma última pergunta, só uma?

-Pode.Claro. Todas que quiser.

-E vou ganhar uma irmã ou irmão daqui a uns dias.

E todos falam que eu vou pro canto. Que não vão mais gostar de mim.

Que vai ser de mim?

– Isso foi muito cruel contigo. Não era verdade. Foi bullying.

– Bullin?

– Sim, Bullying. Brincadeiras maldosas que machucam muito.

Olha. Deixa eu te contar algo muito bom: Tem amor pra todos.

E vai ser uma menina.

E pode acreditar, ela vai crescer logo, logo e vai ser a tua melhor amiga na vida.

Ela sorriu, me deu um abraço demorado e voltou aliviada pra brincar.

 

E como seria com você?

O que a sua Criança Interior lhe perguntaria?

Tire um tempo pra você e faça as suas perguntas.

Suas alegrias da infância estão presentes na sua vida adulta?

 

Telma Lenzi

07/10/2020

 

Desconstruindo o Dia das Mães

Impossível se encaixar neste estereótipo da mãe do Dia das Mães. Quem é essa mãe que se encaixa no “padecer no paraíso”, no “doar sem ter pra dar”, no “abdicar de seus planos”, no “amar sem condicionar nada”?

Quem é essa mulher que não se queixa de cansaço, exaustão, depressão e ainda consegue sorrir na foto?

Nasceu pra ser mãe. ”

E o que ela vai fazer do direito a ter a própria vida?
Os filhos vem em primeiro lugar. ”

Em que ordem de cuidado ela fica?

O que é o dia das mães que não algo comercial, uma prerrogativa do nosso sistema capitalista patriarcal e machista? Colocam a mulher neste papel impossível de sobrecarga, vendem com isso e submetem as mulheres a caber na caixa.

Toda irrealidade vendida como possibilidade causa danos.
Toda manipulação tem uma intenção política.

 

E assim seguem as mulheres mães se nutrindo de culpa, se sentindo imperfeitas. Tão fácil manipular através do medo e da culpa.

 

Cenário pós dia das mães: escutei muitas falas de dor, restos de mal estar, sentimentos confusos, tristeza…

  • Muitas mães suficientemente boas não se valorizando.
  • Muitas mães que perderam filhos ou que ainda não conseguiram ter, se sentindo incompletas.
  • Muitos filhos e filhas sem mãe não tendo onde ancorar a sua dor no meio da comemoração.

E os filhos de mães tóxicas, violentas e abandonadoras oriundas de cenários emocionais igualmente frágeis, o que fazem no dia das mães?
Presenteiam, agradecem, retomam contato, negam suas dores?

E as mães tóxicas que ainda não se deram conta do estrago relacional e esperam, cobram e celebram esses dias, salpicando gotas de culpa ao invés de reparação?

A propaganda induz a dores neste dia. Bem nós, já fragilizados pela pandemia.

A realidade é que não existe a mãe da propaganda. Existe somente a mãe possível que cada uma de nós pode ser.

Cabe a mim, a você, a cada um mudar essa realidade.

Dia das mães, das mulheres, é todo dia.

 

Telma Lenzi | Maio 2020

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Celi está fazendo 90 anos

Quase um século vivido e experimentado de perto, com todas as revoluções culturais, sociais destes tempos.

Nasceu com uma inquietude de sempre quero mais.

Alfabetizou-se antes que todos esperassem. Tinha sede por conhecer todo o conhecimento disponível.

Sua sensibilidade e gosto musical pelo piano, sua paixão pelos estudos, literatura, sua condição familiar, social e cultural influenciaram para que cedo deixasse sua cidade natal, Itajaí, em busca de continuar os estudos.

Ela queria um mundo maior p’ra ela e assim foi.

Não cedeu aos limites da condição de mulher da época.

Era boa, se não a melhor em tudo.

Desde campeã de tênis de campo à tudo 10 por extenso no boletim.

Ao voltar do internato na capital, foi uma das primeiras mulheres da cidade a exercer um trabalho. Sempre monitorada de perto por seu pai muito amado, um europeu (alemão) com sensibilidades especiais.

Queria o conhecimento, queria a liberdade e a autonomia financeira.

E assim viveu até se apaixonar e ceder aos costumes de uma sociedade machista da década de 50. Para noivar, foi colocada a condição que deixasse o trabalho no Banco Nacional do Comércio.

Ela também queria o amor, o casamento e família. Ela queria tudo.

Casou com o grande amor da sua vida.

Um bom partido, como dizia-se na época. Seus olhos verdes enigmáticos, sua grande responsabilidade perante sua família, a encantou.

Com ele teve cinco filhos para criar, uma casa grande para administrar. Equilibrando-se para junto dar conta da cardiopatia grave que atingiu seu marido durante quase 20 anos, levando-o quando ela tinha 56 anos.

Mesmo com essa vida de sobrecarga, sustos, risco de morte do marido e correria, não esqueceu de si, de suas vontades, de seus talentos.

Dizia: “descansar é mudar de atividade.”

Dedicada e talentosa com as artes manuais, corte costura e tricô, vestia as 4 filhas com suas produções.

Aos poucos passou a aceitar encomendas de tricô na máquina e a ter sua própria liberdade financeira. A casa tinha um  movimento extra de suas clientes e o barulho do rec rec inconfundível da máquina de tricô pra lá e pra cá.

Tocava seu piano estimado após o almoço. Ainda sinto a nostalgia ao som de “Branca”.

Voltou a estudar fazendo o supletivo para completar o segundo grau. Tirou o primeiro lugar no estado. Sua característica de quando fazia algo se dedicava por inteiro. A melhor.

Passou no vestibular, mas não seguiu. Por crenças sociais, pelo marido, falta de apoio? Não sei.

Apoiava os filhos e mantinha sempre a casa cheia de amigos deles. Mesa de ping pongue e bolinho de banana mantinham a turma animada.

Nos primeiros verões, veraneava em casas de temporada até adquirirem o apartamento de Balneário, que era um sonho seu.

As necessidades da doença do marido a fizeram entrar na auto escola e aprender a dirigir com quase 50 anos. Fato que trouxe autonomia e liberdade que a ajudou a construir a segunda etapa da sua vida: 56 anos e viúva.

Viúva, com quase todos os filhos criados, casados ou encaminhados.

Tinha somente um caminho: Viver. Mas viver bem. Viver o que não tinha vivido ainda.

Com conhecimento, liberdade e autonomia financeira, foi experimentar a vida.

Morou em Itajaí, depois em Blumenau por bons anos, onde fez muitas amigas e por fim escolheu fixar residência em Balneário Camboriú. Isto a deixou mais longe dos filhos, mas com total liberdade.

Com seu carro, seu grande companheiro, foi aonde quis.

Abriu mão do fogão, dos almoços diários. Comia em recentes restaurante a quilo, usufruía do advento dos pratos congelados.

Uma das pioneiras no Facebook, internet, jogos, por ali se atualizava com a família.

Montou uma confecção de enxoval para bebês e artesanatos patchwork para mesa e cozinha com motivos variados e temáticos.

A maquina de tricô ficou de lado, dando espaço para a máquina de costura. Trabalhou muito, vendeu muito, teve muito sucesso, reconhecimento e retorno financeiro.

Em sua segunda vida em Balneário, pertencia a vários grupos.

De Presidente da rede feminina, ao grupo da Apae, Ofiarte, voluntariados de ajuda aos mais necessitados. Também gostava muito do seu grupo da canastra e o da seresta.

Com tudo isso nunca faltou socorro aos filhos. Nas muitas dificuldades, nos nascimentos e nas doenças, era a primeira a chegar para cuidar.

Assim como nos nossos êxitos pessoais e profissionais, sempre presente prestigiando.

Mas sua vida era lá em BC.

Sua festa de 70 anos, foi para as 70 amigas íntimas. Uma grande rede de amigas. Assim como foi linda sua festa de 80 anos.

Mas a vida cumpre seu trajeto para todos.

E nestes anos de Balneário, foi se despedindo de todos os seus irmãos e de muitas amigas queridas. Sua grande rede foi diminuindo naturalmente.

Com sua simpatia, inteligência e mente atualizada foi renovando com amigas mais jovens, com os amigos dos filhos, com a vizinhança do prédio que sempre a trataram com afeto e a socorreram em adversidades.

Seu aniversário de 88 foi diferente, não teve festa.

Estava internada com fratura de fêmur por causa de uma queda doméstica.

Surpreendentemente passou pela cirurgia e complicada recuperação.

Não perdeu a vida, mas perdeu a liberdade e a autonomia, pilares da sua estrutura emocional. Perdeu a possibilidade de morar sozinha na sua casa, como bem gostava.

Estes dias falou que não viu o envelhecimento chegar. Quando a vida está boa o tempo passa muito rápido mesmo.

Que difícil estes tempo agora, mãe. Para ti, para mim, para todos.

Difícil te ver sem tua força, tua base de liberdade e autonomia.

Restou tua ousadia que hoje virou teimosia.

Restaram tuas queixas, tua insatisfação, tuas faltas, teu constante pesar, que são tuas saudades de todo o bom que vivestes na tua segunda etapa da vida.

Não podemos te dar o que precisas, porque a vida passou.

E olha só pra tua trajetória.

Quanta experiência vivida em uma só vida.

Quanto a agradecer pela oportunidade de viver e envelhecer, que tantos não puderam.

Quantas histórias pra contar e deixar de legado.

Abre mão do que não volta mais e vive o momento presente do teu Matriarcado e nos ensina a lidar com a finitude com gratidão e leveza na alma.

Por favor.

Não abre mão de ser minha, nossa mãe.

Faço uma pausa e imagino tu lendo esta crônica sobre ti, corrigindo meus erros de português. Sim tu és melhor nisso e me dizendo ao final: “Hum! Pra lá vamos!”

Sim mãe. Todos vamos.

E nem sabemos quem é o próximo.

Quem tem mãe tem tudo!

Te amo!

Telma Lenzi | 27/06/2019

 

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A culpa é deles? perdoar nossos pais e seguir adiante

 

Não há trauma, verdades vividas ou ditas duramente por nossos pais, cenas terríveis de infância que não possam passar por uma atualização em nosso self.

Convidar novos processos externos e internos de diálogo e nossa maravilhosa possibilidade de fazer escolhas por outros significados. 

Revisitar essas cenas internas com a perspectiva de Personagens Internos criados na maturidade.

Sim, temos essa possibilidade de escolher com quem dialogamos internamente e decidir o itinerário de nossas vidas.

Podemos criar novos significados para as nossas mágoas e nos reconciliarmos com nossos personagens internos Pai e Mãe. 

Personagens que um dia foram criados em nossa infância,  pela imagem de nossos pais refletida no mundo externo.

A cada dia, a cada nova situação, alimentamos essas vozes, esses pensamentos, estes personagens. 

E, no presente, não são mais eles, nossos pais reais, mas nossas próprias vozes internas, que geram mal estar.

Somos os autores, diretores e atores de nossas próprias vidas.

Temos essa possibilidade de escolha!

Quando não acreditamos nisso, na força transformadora dos processos reflexivos, estamos nos vitimizando e culpando alguém.

Quem?

Muitas vezes nossos pais. 

Eles fizeram o melhor que puderam.

E nós?

Estamos dando o nosso melhor?

Podemos criar a paz interna e consequentemente a paz externa através das escolhas do que pensamos, falamos ou agimos.

Somos heróis responsáveis por nossas vidas.

Fica aqui o convite para agirmos como tal.

 

Telma Lenzi

12/02/2017

 

O que queremos para os nossos filhos?

Afinal o que queremos para nossos filhos?

As quase 100 pessoas que estiveram ontem na Palestra de final de ano da ASSIM SC APRENDENDO A VOAR  e mais de 200 participantes virtuais ajudaram na construção deste coração de tags.

Ele é a expressão real dos mais profundos desejos das pessoas para os seus filhos.

Olhem a beleza desta imagem.

Quanto mais vezes a palavra foi mencionada, maior ela aparece na imagem do coração.

Todas são igualmente genuínas, ainda que tenham sido mencionadas apenas uma vez.

Se escolhemos este caminho para nossos filhos, as perguntas são0:

  • Quais caminhos estamos escolhendo para alcançar estes objetivos?
  • Estamos empoderando a infância deles ou colocando-os em uma forma?
  • Para que mundo os estamos criando?
  • Em 1996 não tinha internet e celular, qual vai ser o mundo que eles viverão em 2036?

Nossas crianças precisam aprendar a sentir quem são e os caminhos que farão sentido na vida para elas.

Isto trará com certeza felicidade, amor, saúde física e emocional, respeito, integridade, paz, segurança, e todas estas outras palavras genuinamente amorosas.

Gratidão a todos que participaram desta construção de nossa Verdade Local!

 

Telma Lenzi | Dezembro de 2016

Ensinando a Voar – Como permitir o vôo dos filhos

O que cabe à família e o que cabe à Escola?

Meu primeiro filho, tranquilo, sensível, feliz e atento, seguiu a educação tradicional em uma escola considerada alternativa. Porém, como a maioria das escolas, de método instrutivo de transmissão de conhecimento. Seguiu. Questionou matérias e conteúdos. Definiu suas preferências e a inutilidade de muitas delas, para ele. Fez aulas de yoga nas vésperas do vestibular, ao invés de simulados mobilizadores de ansiedade para ele.

Entrou para Psicologia na UFSC para o segundo semestre e fez um intercâmbio sabático de 6 meses, como era uma crença familiar, para descansar depois de exaustivos 15 anos de escola.

A escola de massas, com um professor ensinando ao mesmo tempo e no mesmo lugar dezenas de alunos, nasceu com a revolução industrial e chegou igual ao século XXI.

Em mais de duzentos anos, mudaram os estudantes, mudou a sociedade e mudou o mercado de trabalho. Quando a escola será reinventada? Quando a singularidade e a colaboração entrarão em cena?

Esse era um assunto recorrente nos diálogos familiares. Localizava nos meninos dores parecidas com as minhas de infância: hierarquização e poder, currículo padronizado, aulas fechadas, turmas isoladas, as provas como sinônimo de avaliação, os mecanismos punitivos e repressivos mobilizadores do medo e aniquiladores da criatividade.

Seguíamos.

Meu segundo filho belo, forte, rápido, livre e explorador do mundo, andou cedo (9 meses), falou cedo e logo acompanhou o irmão 3 anos mais velho em tudo.

O medo não o acompanhou na infância.

Destemido e interessado nas oportunidades que o mundo oferecia, se soltava de mim para explorar os lugares, mergulhar nas águas das praias ou piscinas que encontrava, andar sozinho à cavalo aos 2 anos.

Cheio de energia e alegria, com um sorriso constante em seu rosto e olhar, cativou a todos e viveu plenamente sua infância feliz.

Sempre leal, amoroso, gentil, dócil e carinhoso, criado desde o primeiro mês com massagem de Shantala, seu corpo falava sobre sua afetividade: dar e receber carinho, toque, abraço foi sempre sua linguagem, sua verdade.

Exercia sua criatividade com perfeição na modelagem, desenhos e brincadeiras com bonecos, personagens de tramas criadas em sua imaginação e interpretada por ele.

Ele queria sentir-se livre para explorar o que lhe causasse interesse, emoções e paixões.

A natureza, trilhas e liberdade era o seu lugar. Assim como ajudar os outros e os animais.

As regras da Escola, rígidas e sem coerência para ele, não foram bem vindas e os conflitos começaram aos 7 anos.

Somos produtos e produtores de uma cultura e tentamos nos encaixar a ela.
Mas o corpo não mente. A mente mente.

Seus olhos não conseguiam enxergar. Passou a usar óculos. Sua atenção não fixava nos conteúdos e seu desejo estava no lado de fora da sala. Foi diagnosticado com TDAH.

Não acompanhava o conteúdo. Foi reprovado e encaminhado para psicopedagoga, psicóloga, psiquiatra e todos os especialistas em manter uma criança na “esteira” da padronização educacional.

Mudei-o de escola.

Todos os muitos caminhos conhecidos eu tentei. Dei minha total presença nesta busca insana de adaptá-lo à escola.

O rótulo de diferente, problemático se estabeleceu e substituiu rapidamente todas as suas belas qualidades.

O encontro com seu Personagem Interno “Medo” veio na adolescência, de maneira muito intensa e entristecedora, mantendo-o em um lugar seguro e recluso, livre das pressões do mundo real: o mundo dos jogos virtuais.

Ali ele voltou a ser livre e criativo. Ser quem ele queria ser. Criar suas regras e ser singular em um mundo imaginário. Viver suas aventuras preferidas ajudando pessoas. Longe, muito longe do mundo real.

A tentativa de se manter na escola esvaziou sua energia vital, sua criatividade, seu empoderamento para questionar as regras do mundo que não serviam para ele. Desconectou do sentir, do acreditar em si e do agir pelo seu próprio caminho, pelo esforço de tentar se submeter aos padrões.

Minha constante busca de entendê-lo e poder “estar com” ele me fez mudar meu olhar das muitas tentativas de ações para uma outra forma de compreensão da situação.

O problema não era ele, mas a proposta educacional que para ele não servia. E feriu fortemente sua liberdade e criatividade.

O que está acontecendo com nossas crianças e adolescentes? Será que repetiremos as opressões vividas em nossa infância ou queremos algo de melhor para eles? Em qual mundo vivemos e em qual mundo eles viverão?
Estamos preparando-os para um futuro colaborativo e interconectado?

Nossos filhos de cinco anos querem salvar o mundo, ser policiais, astronautas, mágicos e dançarinos. Mas será que chegam no último ano da escola com seus desejos respeitados ou transformados em advogados, administradores, enfermeiros, cursos de maior mercado no Brasil em 2016? E o que aconteceu com os dançarinos, os mágicos e os astronautas? Não tem como não pensar que algo quebrou durante estes anos de estudo e mudou suas vidas. Será que foi o medo, este vilão que costuma roubar sonhos?

Mãe de dois tão diferentes e complementares. Compreendi que minha experiência plena de mãe veio neste desafio de respeitar singularidades e proteger os filhos de verdades culturais que podem servir para um, mas não para todos.

Muito pouco se pode esperar de mudanças educacionais imediatas em nosso contexto. Algumas iniciativas já estão surgindo.

Muito podemos fazer nas relações cotidianas. Precisamos questionar, abrir conversações para diminuir os danos em nossas crianças, em nossos adolescentes. Como pais, cabe a nós buscar a coerência com o que construímos de verdade dentro de nossas relações familiares e a coerência com o método educacional que vamos oferecer a eles.

Os valores que cultivamos em suas infâncias, como diálogos democráticos, espaço emocional de posicionamentos e respeito pelas diferenças, necessitam estar presentes nas práticas educacionais escolhidas. Caso não, seremos cobrados por isso. Os perderemos ou eles se perderão de si mesmos.

Ele de malas prontas, eu com lágrimas nos olhos. Assim vi meu filho embarcar para se buscar de volta. Foi fazer o High School no Canadá.

Lá iniciou seu “Currículo Subjetivo”, voltando a poder ter suas escolhas e interesses validados. Voltou a ter o prazer e a curiosidade pelo conhecimento.

Mais convicto, questiona e critica o método de transmissão de ensino tradicional e não se interessa pelos diplomas, somente pelo conhecimento.

Fez 4 anos de Psicologia, mais 2 de Design de Jogos, Terapias Corporais e de Energia, Formação em Instrutor de Shantala, estuda na Formação em Terapia Sistêmica Pós-moderna, Massoterapia e seguirá buscando o que fizer sentido para ele.

Hoje trabalha como Terapeuta de Shantala para casais e seus bebês.

O que ele quer: AJUDAR O MUNDO A SER MELHOR. Só assim. E tanto assim.

O medo e o peso de fazer o caminho “fora da caixinha” estará sempre presente para quem ousar sair fora da esteira.

E assim ele vem reencontrando o seu caminho, resgatando suas potencialidades com o apoio da família e com o feedback de seus clientes.

Escreve Storyteller *. Seu Aventureiro viaja pelo mundo. Sua generosidade e disponibilidade de ajudar as pessoas caminha por uma linguagem muito singular a ele: a linguagem do corpo.

Desta forma, como Massoterapeuta e a partir de sua história pessoal, contribui para que novas crianças sejam tocadas (Shantala) por seus pais e legitimadas em como elas são e estão no mundo.

TELMA LENZI | NOVEMBRO 2016

*Storyteller: sistema de jogabilidade RPG criado por Mark Rein*Hagen, da editora estadunidense White Wolf que utiliza o sistema D10 (dados de dez faces). Seu sistema é extremamente interpretativo, cujo principal objetivo é a geração de crônicas (histórias). Seu cenário mais famoso é o Mundo das Trevas. O Storyteller enfatiza a criação de histórias como prioridade. Os jogadores e o Narrador (que funciona igual ao um Mestre) desenvolvem histórias com os personagens desenvolvidos, com um diferencial: Os personagens devem já ter uma história pronta antes do jogo começar (O Prelúdio). Para começar, os jogadores precisam desempenhar ações durante o jogo. (Wikipédia)

 

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Família de Origem do Terapeuta: um mergulho na nossa própria história

O FOT ll – Família de Origem do Terapeuta – é um mergulho profundo que permite aos alunos do Curso de Especialização em Terapia Sistêmica Pós-Moderna revisitarem seus modelos de casal e relacionamento Homem e Mulher, através da história de vida do seu casal de Pai e Mãe.

Através da narrativa escrita, cada pai e mãe dos alunos, envia uma carta contando sua história de vida, a partir de um gênero narrativo de discurso, escolhendo o que salientar, enfatizar.

Desde o primeiro encontro; da paixão ao amor; das dificuldades à superação delas; da escolha de ter tido filhos, de continuarem juntos pela vida afora, ou escolherem o caminho de separarem suas vidas.

Estas narrativas se encontram para conversar com uma terceira carta, escrita pelo próprio aluno sobre a história corporificada de seu casal interno de Pai e Mãe.

O que surge deste encontro conversacional é imprevisivelmente transformador e lindo.

Acredito que Psicólogos que desejam estar em conversas profundas com Homens e Mulheres, Casais e Famílias, só alcançarão a delicadeza das palavras que agregam, a sutileza da escuta qualificada e o poder transformador do silêncio a partir do mergulho em suas paisagens internas, reconhecendo e transformando os diálogos internos saturados, construídos nas interelações de sua experiência vivida.

Os limites da nossa subjetividade determina os limites da nossa atuação profissional!

Telma Lenzi | Junho 2015

 

O PAI – Nosso primeiro heroi, perfeitamente imperfeito

O primeiro herói de um menino?
O primeiro amor de uma menina?

Nosso pai. E em nosso primeiro laboratório social (a família) treinamos e incorporamos esta relação e a levaremos por toda a nossa vida, repetindo-a.

Mais do que gostaríamos seguiremos arrastando esse padrão.

Com toda a força da saudade emocional da infância, carregamos nossas lentidões.

A cada encontro atual, tentamos sobrepor o que vivemos com eles, nossos pais.

Buscamos as relações que se assemelham, sem perceber e, quando achamos, nosso personagem criança vai querer sempre mais. Mais e mais reviver.

Tanto as lembranças ruins quanto as boas. Viveremos a relação presente com a sobreposição esmagadora do passado, e a desesperança de um futuro previsível.

A quem respondemos quando agimos de tal forma? 

Estamos respondendo a pessoas do presente ou a pessoa do nosso passado? 

Padrão que se repete. Dor e frustração presente.

Final infeliz para todos.

Carregamos dores da infância porque nosso primeiro herói, nosso primeiro amor era humano, perfeitamente imperfeito.

Nesta condição nos amou e nos magoou.

Com sua história e suas dificuldades nos causou danos que nos desafiam a ir além.

Essa é a jornada do crescimento. A evolução que viemos fazer como pessoa.

Temos os pais que era preciso ter.

Escolhemos de um jeito ou de outro, por isso.

Não há lugar para ser vítima.

Só lugar para reescrevermos nossa própria história.

Acolher o que vivemos, diferenciar do que estamos vivendo e possibilitar algo diferente para vivermos. 

Acolher nossos sofrimentos e nossos pais.

Compreender que o vilão não era eles, mas o MEDO deles.

O MEDO dos nossos pais, transformou amor em dor, preocupação em raiva ou abandono, proteção em castigo.

Bem ele, o MEDO que é nosso maior protetor.

E seguimos. Tanto nós quanto nossos pais e nossos filhos, sem a medida exata para equilibrar este sentimento. 

Abrir mão da luta e sentir. Sentir, diferenciar e seguir adiante.

E pelo recurso do afeto, do acolhimento, da auto reflexão alcançaremos esta complexidade.

Pai,

Tu sempre foste e és o catalisador de todos o meu processo de evolução.

Sou o que gosto de ser devido a ti.

Mais do que sempre te agradeço por ter tido a honra de ser um dos teus filhos e viver contigo todas as minhas histórias.

Agradeço ainda a forma especial que te tenho presente em todos os meus diálogos internos em cada momento que vivo.

Tu foi meu herói, meu grande amor, agora meu incentivador, meu amigo.

Hoje estamos lado a lado, cuidando de cada idealização de cada saudade.

Ah!

Mas não posso negar que a dor da saudade física ainda me quebra.

Mas hoje é dia dos pais e me rendo a ela.

Te amo.

Telma Lenzi | Agosto de 2014

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Mãe, parabéns

Mãe,

Parabéns pela tua estrada de 85 anos.

Quanto mais vivemos e amamos nossos filhos, teus netos, mais sentimos a forma como fomos e somos amados por ti.

Meu espelho.

Me vejo em ti e me orgulho tanto. E tantas outras vezes me atrapalho.

Porque contestastes teus modelos e continuas a eterna busca humana de superar-se.

Superando tuas crenças e limites, muitas vezes nos superastes.

Este eterno vir a ser nos coloca de frente com tua imagem em movimento.

E a mensagem do teu estilo de viver a tua vida não nos deixa envelhecer em padrões ultrapassados.

Ao me olhar no espelho, vejo a tí e tua beleza interior.

Te amo.

Telma Lenzi | Junho 2014

Novas cenas familiares

Houve um tempo em que as famílias se organizavam pelas condições reais do mundo e da natureza nos quais estavam inseridas.

Fazia frio demais ou era muito quente. Moravam em montanhas ou na beira de rios.

Moravam isoladas de outros núcleos ou eram uma comunidade maior.

Essas eram as prerrogativas principais que regiam o cotidianos das relações.

Quais eram as necessidades e quais as prioridades daquelas pessoas que viviam em família?

E, a partir destas indagações, as famílias iam criando rotinas e hábitos de convivência.

Neste tempo existia equidade de gênero. Não com esse nome, mas existia.

Neste tempo existia diálogo e democracia. Todos, idosos, adultos e crianças, eram ouvidos e qualificados.

Existiam grandes conversas e se tinha grandes espaços de tempo para isso.

Mas com a Revolução Industrial, a Revolução Burguesa e o advento da sociedade consumista, o mundo ficou ansioso. E as leis passaram a surgir do medo.

Medo de não conseguir controlar a vida, as máquinas, o cotidiano.

Medo de não conseguir controlar seus bens, seus filhos, seu patrimônio.

Aqui então entra na história a figura dos Especialistas: pensadores, políticos, religiosos, pesquisadores, na tentativa de ensinar as pessoas a viver e conviver neste novo tempo.

Eles mostraram o caminho do enriquecimento, o caminho do controle dos bens e da família.

Mostraram também o caminho da pobreza e do mundo binário, dividido em dois.

Eles ditaram as novas regras de um mundo que, em breve, perderia toda a conexão com o sentir e ligaria o botar do ter.

Assim, surgem Especialistas para tudo.

As mulheres – que neste momento da historia estavam submetidas ao poder patriarcal – são treinadas para serem excelentes donas de casa e educadoras de filhos.

Mas elas vão além: vão à luta por direitos iguais. Surgem as Feministas.

Surgem os Sociólogos, os Antropólogos, os Psicólogos, os Psiquiatras, os Pedagogos, os Sexólogos, os Fonoaudiólogos, e tantos outros. Ufa!

Cada um tentando ensinar a família a ser normal. Ou melhor, dizendo como viver dentro do que o mundo havia estabelecido como “normal”para as famílias depois da Revolução Industrial.

É claro que esse modelo baseado no que vem de fora quebrou, não durou muito, e resultou em muitas consequências negativas para o que consideramos hoje FAMÍLIA.

O processo histórico caminha e, com ele, vêm sempre novas mudanças, boas e ruins.

E o que definimos hoje como Família está bem longe do modelo pregado de normalidade das décadas passadas.

Família são pessoas que convivem junto, com laços de consanguinidade ou não, onde todos estão envolvidos no bem estar e no crescimento comum.

Família não tem um modelo pronto a seguir, felizmente. Cada uma vai ter que construir o seu.

E a forma de construir este modelo está no próprio processo de ir caminhando, dialogando, aprendendo, errando e re-aprendendo com cada um de seus membros e em cada situação que se apresenta.

Será necessário parar para ver o que se sente, o que se quer, em um mundo que oferece pluralidades de modelos e escolhas.

Será necessário ter suas escolhas como únicas, diferentes de cada uma das outras famílias que convivemos.

Sim, porque somos todos diferentes, então precisamos de modelos totalmente diversos. Não cabem mais modelos únicos impostos.

É aqui que percebemos as angústias das famílias dos mundo de hoje. Exatamente neste ponto.

Entre o velho modelo que não cabe mais, está ultrapassado, e o novo, que a gente ainda estranha, ainda não sabe usar, mas deseja.

Dentro de nós somos muitos, não somos um eu único. Teremos sempre antagonismos e paradoxos.

Que se refletem nas famílias de hoje, às vezes tão violentas, às vezes tão permissivas.

Às vezes tão porto seguro, as vezes tão areia movediça.

Como lidar com este momento tão conflituoso dentro das novas configurações familiares?

Fugindo do modelo dos ESPECIALISTAS E SUAS RECEITAS PRONTAS, me vem à mente uma imagem: um parto domiciliar programado com a presença de todos os membros da família.

Uma nova Cena Familiar reinventada pelas próprias famílias, a partir de seus recursos, gerados no diálogo. Uma competência resgatada, de fazer o parto de seus novos membros, com o mínimo de interferência possível dos Especialistas.

As grandes respostas estão sempre na observação do processo histórico, que vem sempre de volta.

Antigas famílias sentadas em círculo, respeitando, observando e ouvindo os sinais da natureza, conversando em diálogos democráticos como a única saída para o crescimento humano.

Telma Lenzi

Maio/2014