Visitando à Favela da Rocinha

A maior favela da América Latina, a Rocinha está localizada no morro Dois Irmãos, que separa os bairros de São Conrado e Gávea, dois dos bairros com IPTU mais alto do Rio de Janeiro e uma das vistas mais deslumbrantes do Rio.

A proximidade entre as residências de classe alta desses dois bairros com a Rocinha cria um profundo contraste urbano na paisagem e nos questionamentos das pessoas sensíveis a causas sociais.

Enquanto a condução subia o morro, subia em mim um sentimento de perplexidade.

Subindo a Estrada da Gávea, estrada principal da Rocinha, parece que estamos em uma cidadezinha do interior. Me pareceu  única, aconchegante.

A Rocinha é uma das favelas mais urbanizadas do Rio (tem status de bairro) e aspectos muito peculiares. A parte de baixo é basicamente voltada ao comércio. O comércio é diversificado atende as necessidades básicas dos seus moradores.

A comunidade também conta com 4 linhas de ônibus, cooperativas de vans, serviços de moto-táxi, um posto de saúde, uma agência dos correios, duas agências bancárias, serviços de internet, TV a cabo, rádios comunitárias, uma casa de show, três escolas públicas e várias creches comunitárias.

O Banco Popular tem uma bem sucedida intervenção na comunidade: empresta dinheiro de Ongs em baixas quantias (até mil reais) a pequenos comerciantes e ambulantes, em resposta conta com uma baixíssima taxa de inadimplência.

Lá as pessoas se organizam e querem viver em paz.

Sim, as pessoas vivem, trabalham, batalham sofrem e sorriem calorosamente recebendo os visitantes curiosos e impactados, com suas máquinas fotográficas invadindo privacidades.

No meio a emoções e perplexidades, o sorriso dos moradores, o convite pra entrar em uma casa e conhecer um pequeno gato que avistei, aconchegava.

O café quente e a conversa sobre o cotidiano da vida rolou afetuosamente pelas casas, escadarias e ruelas de lá. 

E assim me sentindo meio turista (sem máquina fotográfica) e com interesse genuíno pelas pessoas e suas vidas, passei o dia lá e escutei suas histórias.

Lá as pessoas se calam e vivem sobre a ditadura do medo. Há uma paz mantida pela violência para manter a polícia fora da favela.

Pedofilia, a pena é a morte.

Violência familiar, discórdia entre vizinhos tem uma chances, na segunda é expulso e proibido de se aproximar com risco de perder a vida.

E neste paradoxo da paz mantida pela violência do narcotráfico, vivem milhares de pessoas. Muitos moradores dizem que está bom assim. Outros pedem intervenção do governo.

O programa de pacificação ainda não havia chegado à Rocinha.

Mas de que forma a intervenção ajudaria uma comunidade mergulhada em seus paradoxo e sua cultura local?

Na parte de cima do morro está o poder do narcotráfico. A frente do morro a classe alta e o poder financeiro.

E o governo onde está?

O que faz um povo acreditar que essa é a vida que eles devem ter, naturalizam a violência que, através do medo, rouba sua voz, sua dignidade, suas vidas?

O que faz a gente esquecer que essa desigualdade social existe bem aqui perto de nós?

Onde esteve o governo desde os tempos da escravatura, dos quilombos até as favelas de hoje?  E como será no futuro?

O individualismo do nosso sistema leva a desgovernos, a violência social  colocando o Brasil com um dos países de maior desigualdade social do mundo.

Não somos ilhas individuais como muitos pensam e vivem. Somos um sistema humano global.

Tudo atinge a todos. Estamos interligados.

Cada ação no mundo atinge nosso cotidiano e nosso mundo interno, por mais ingênuos ou alienados que sejam nossos discursos. O terremoto do Japão, a crise na Europa, o narcotráfico das favelas, etc.

Quebrar os limites de uma visão individualista e abrir-se para a visão social permite perceber a importância de melhorar a qualidade de vida da sociedade como um todo.

Todos crescem. Todos ganham.

E não uns poucos ganham a custa de desfavorecidos que comprometerá o futuro.

Ou você ainda acredita que é bom para o desenvolvimento da sociedade manter a pobreza?

 

Telma Lenzi |2011

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Abuso Sexual Contra Crianças

[…] Eu não quero mais falar das coisas ruins… Eu vou só olhar pra ti, tá? […]

Fala de S.H. uma menina de 5 anos, quando eu pergunto a ela em sessão de psicoterapia, algo sutil, sobre as cenas de abuso sexual vividas por ela, praticadas por seu pai e avô paterno.

Suas respostas eram silêncios profundos com seus olhos negros que me fitavam profundamente e me convidavam a entrar, a visitar sua emocionalidade. E como uma convidada cuidadosa, fui sendo conduzida por minha pequena anfitriã a conhecer seu mundo interno.

No final do corredor do silêncio encontrei o medo e a culpa enrolados em uma mantinha branca chamada passividade. Trancado no quarto, chorava baixinho o amor. Sequelas do abuso sexual.  Sentimentos confusos, ambivalentes que, na presença do pai, sequestravam tantas coisas bonitas dela: ingenuidade, doçura, infância, liberdade, confiança, sorriso, espontaneidade, cabelos loirinhos, segurança, bolachinhas da feira.

S.H. contava em silêncios, enrolados na mantinha da passividade, agarradinha no medo e na culpa, que aceitava os “nãos” sem conseguir perguntar por que. Aguentava o frio, a fome, o tempo trancada no banheiro, chorava e depois dormia. Tinha que dar seus brinquedos para as outras crianças. Segurar o pênis do avô, dormir com ele nu a seu lado.

[…] Eles dizem que sou chata. Mas por que sou chata? […].

Fala de S.H. que mostra a culpa se escondendo com uma pontinha de dúvida.

Muitos outros abusos vêm junto do abuso sexual.

S.H., eu e seu silêncio. Algumas bolachinhas, algumas bonecas, eu contando histórias e ela me conduzindo por seus caminhos.
O silêncio é intimidade. Se estamos a vontade com o outro em profundos momentos de silêncio verdadeiramente estamos.

Estar com o outro em “escutas qualificadas”, que busca apenas estar e não fazer, a verdadeira relação de confiança acontece. E estabelece a “ação conjunta” e vem o que precisa vir a ser.
Estar e escutar uma criança tão pequena vítima de abuso pede nossa humildade e nossa humanidade. Exige que revisitemos nossos conceitos, nossos preconceitos, que cada um de nos atualizem crenças pessoais e sociais.

Como vemos uma criança?

Alguém que precisa ser cuidada por seus responsáveis, crescer em suas capacidades.

Porém ser responsável não significa ser dono. Autoritarismo não gera respeito. Bater não educa.
Gritar já é abusivo.

Qualquer tipo de abuso é crime. Com marcas invisíveis e sequelas irreparáveis.

Mas o abusador não vê assim. Sua ótica adoeceu. Em 70% dos casos tem na infância história de abuso, sem ter tido possibilidade de resignificá-la.

Como ele vê: […] Ela quer tanto quanto eu, porque ela não resiste e não conta pra ninguém, ela coopera. Às vezes é até ela que começa […] relato do avô de S.H.

A violência dentro da família é uma das mais cruéis, por que já existe o laço de confiança e afeto entre a criança e o abusador.

Afetividade que aos poucos vais se modificando sem descaracterizar o vínculo protetor, mascarando o abuso, gerando sentimentos confusos, ambivalentes. Aquele que deveria proteger sim, está abusando. Desta forma proteção e violência se fundem na ambivalência e na passividade e abusador e criança promovem um pacto de silêncio e segredo. Esta experiência passa a ser uma forma natural de relacionamento durante muitos anos, até que a criança, na maioria das vezes na adolescência ou vida adulta, atinge a maturidade e consegue o discernimento do que é amor e do que é abuso da parte de alguém que ela ama.

Com S.H. foi diferente. Aos 5 anos ela foi “escutada”. No fundo do seu corredor interno, o medo e a culpa enrolados em uma mantinha branca chamada passividade, foram buscar o amor que estava trancado no quarto e chorava baixinho.

Medo:- Venham que a culpa tem uma pontinha de dúvida numa coisa.

Culpa:- É. Porque na casa do meu pai eles dizem que sou chata? O amor encolhido, a passividade e o medo se olharam.

Amor: Limpando as lágrimas.

Disse:- Eu sei quem pode explicar e resolver essa dúvida. A mãe. Vamos perguntar pra ela.

– S.H.: Mãe, eu sou chata? Na casa do meu pai eles dizem que sou chata?

A mãe de S. H. que estava dirigindo, parou, olhou para a filha, e a “escutou qualificadamente”. De todo o coração garantiu que ela não era chata.

No olhar, no tom de voz, no toque de carinho S.H. sentiu a garantia do vínculo afetivo da proteção, do amor, rompendo com a dinâmica patológica do abuso sexual e organizando a escuta para a quebra do segredo.

S.H. Continuou a falar, a contar todos os detalhes do abuso para a mãe durante mais de 2 horas.

-“O meu avô me chama de chata quando eu não quero beijar o pintinho dele e…”

A mãe gravou todo o relato de S.H. em vídeo. O caso ainda tramita na justiça sem decisão final, por falta de provas, por ser tratar de criança tão pequena.

 

CENA FINAL

S.H. caminha em direção ao pai receosa.

Ele foi visitá-la em seu condomínio.

Ele é o pai e tem direitos assegurados pela justiça sobre ela, S.H.

Esta relação pai e filha precisa ser ressignificada, impõe a justiça.

 

O amor de filhos pelos pais é uma obrigação ou uma construção?

 

Telma Lenzi | 2011

A Fórmula da Felicidade

 “Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano, vive uma louca chamada Esperança”.

Mário Quintana

Junto da Esperança, vivem também neste andar do ano, outras emoções e sensações: o fecho de um ciclo, avaliação do sentido da vida, metas alcançadas. Também, a depressão do calendário, metas não alcançadas, arrumar os desacertos, ter que dar conta de tudo o que não deu conta.

A sensação de finitude nos pergunta: Um ano a mais vivido ou um ano a menos de vida? 

Como caminha o desafio de envelhecer e se manter renovada?

Essa é a pergunta: como se manter renovada?

Nos caminhos que percorri em 2010 – vivências e sobrevivência, entre as fórmulas de alguns remédios encontrei uma tal fórmula. 

Eu a estou chamando de “Fórmula da minha felicidade”. Ela é simples e pessoal. 

Comece respondendo a seguinte pergunta:

Qual o percentual de erro aceito por você, para com você mesmo, para com as pessoas e com a vida?  

Se a resposta for menos que 20%, eu o convido a rever seus conceitos do que é a vida e o viver.

A fórmula da imperfeição feliz prevê o erro como parte do itinerário.

Relembra nossa humanidade, reafirma o sentido da vida.

As surpresas vêm, e nem sempre são boas. 

A vida segue seu rumo indiferente do que a gente quer ou deixa de querer.

Somos nós que temos que nos modificar.

Somos nós que temos que flexibilizar em função das circunstâncias onde cometemos erros.

Podemos nos surpreender com nossa capacidade de dar novos significados às experiências ruins que vivemos.

“Aceite o fluxo. Hoje você pode ser rio. Amanhã se fundir ao mar, e depois virar chuva”.  

Escuto de um mestre

“Podemos ressignificar e sair fortalecidos e mais humanizados após cada percalço do caminho.”

Escuto do Dalai Lama

Então precisamos rever o nosso “pra que”, nosso propósito.

Precisamos superar qualquer “o que”, ressignificar os acontecimentos.

E buscarmos o nosso “como”, nossas escolhas de caminho.

Tem algum outro jeito? 

Brigar com a vida ou com a gente adianta para alguma coisa?

Nosso maior inimigo não pode morar dentro de nós mesmos.

Querer 100% de acertos quebra os perfeccionistas. 

Querer 100% de facilidades nos torna a grande vítima das circunstâncias.

Ajuste os números! 

Defina sua fórmula e o que vai fazer parte dos 20% de aceitação. 

Auto tolerância, aprendizagem, resignação, aceitação do erro como condição humana? Já é um bom começo.

Precisamos aderir ao Projeto Culpa Zero.

A felicidade é a clareza de viver o tempo a nosso favor e não contra.

A culpa nos joga pra trás, para o passado.

Viver no presente e receber inspiração para novas perspectivas futuras e narrativas sobre nossa existência, é a liberdade de ser quem se é. 

Nossa vida começa antes dos nossos bisavôs e não acaba em nossa existência. 

Permanecerá em tudo que foi tocado por nós.

Nossa existência será em média 80, 90 anos e isso é muito pouco comparado a vida em sua extensão. 

A vida precisa ser apreciada e não empobrecida com idealizações e ilusões perfeccionistas não alcançáveis.

Sejamos éticos e responsáveis pelo bem estar de nosso mundo interno, que o reflexo no mundo externo vem como conseqüência natural. 

Somos seres sociais interligados.

Faço um convite!

Vamos agradecer às muitas vidas que se interligam  a nossa vida e manter o compromisso com o “bem estar” aceitando a vida e a humanidade em pelo menos 20% de imperfeição, não esqueça.

Imagine, caso não seja a sua realidade, que você está lendo essa crônica em um pedaço de papel.
Fixe sua atenção nele por alguns instantes.
Perceba as muitas vidas presentes nela.
A vida dos criadores dos computadores, impressoras, das tintas.
A vida das árvores, o sol, a água. 
A vida do lenhador que cortou a árvore.
O processo de se transformar em folha de papel até chegar perto de você.
Agora perceba a vida e a dança das palavras que dão sentido a este texto.
A vida dos inventores da escrita e das palavras.
A vida de todas as pessoas que são pedaços e continuidades dos meus pensamentos, reflexões de mim refletidas aqui.
A todas essas vidas interconectadas em conexões imperfeitas.
Deixamos nosso agradecimento!

Telma Lenzi | Dezembro de 2010

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As estórias dos vizinhos do Movimento

Quem assiste de fora, família, amigos, sempre ficam muito curiosos a respeito das atividades e formato do Curso de Formação Sistêmica do Movimento. As famílias ficam com vontade de saber mais do curso. E os vizinhos também.

Já pensaram no que os vizinhos vêem e escutam? Duas vizinhas e comadres das duas casas do lado da antiga sede da Rua Hermann Blumenau conversam:

– Nós estamos aqui debruçados na janela vendo o caminhão que tá fazendo a mudança da Clinica  Movimento.  Essa casa ai do lado… casa de maluco aqui, oh.  Mudança  bem no Carnaval.

– Hummmm!!!! La vão eles embora. Tanta coisa que tinha lá dentro, né?

– É!!!

– Uma clínica, um curso para Psicólogos e uma ONG.

–  Já existe a muito tempo?

– Diz ali desde 1987.

– Mais de 20 anos então. O que que eles fazem mesmo?

– Prometem mudar os coitados que querem ser Psicólogos Sistêmicos para depois eles fazerem igual com as pessoas.

– Isso que deu pra entender. Mas o que será que significa este nome: Formação Sistêmica? Sistêmica ou Satânica? A placa tá meio apagada. Ah era Satânica mesmo.

– Porque o símbolo que eles usam, é um tridente. Diz que é símbolo dos psicólogos parece um tridente de diabo. Vai ver que é ligado no demo mesmo.

– Hummm…

– E dura mesmo três anos?

– O quê?

– O tal do curso pra mudar os pobres? Demorado, né? Como será isso de mudar os alunos? Estranho, né?

– Pior. Diz que o mais incrível é que as famílias dos alunos também mudam.

– Hummm!!

– Os parente que ficam aqui pela frente esperando os encontros acabarem sempre comentam que a mulher (marido, filha, mãe) tá mudada.

– Mudada pra melhor ou pior? Ah!!! Isso que eu queria saber!

– Tem marido que fica de plantão no carro esperando. A coisa pode degringolar e daí ele deve querer salvar a mulher, né?

– Falam tanto desses professores… o que eles fazem pra mudar os alunos?

– Sei lá.

– Às vezes fazem tanto barulho, riem alto, gritam, brigam, choram.

– Pior é quando fazem aquela história de se agarrarem em círculo e  gritarem Rá…Rá… Rá bem alto e saem todos abraçados. Coisa de gente doida.

– Fazem fogueira no meio e queimam papéis escritos alguma coisa estranha. às vezes já sopraram na janela as cinzas. Pode?

– Às vezes saem chorando dá pra pensar que não vão voltar mais. Tem aluno que vai embora e… depois volta. E aquele dia que ficou um trancado depois que a aula acabou? Será castigo?

– Tem aluno que foi embora e vem visitar. Outros viraram notícia, dão entrevista na TV, são famosos.

– Tem aluno que não quer ir embora e daí vira professor, coordenador, comandante do tal G.E.

– Ah! Esse é famoso.

– G. E.  e abreviatura de general, né?

– Deve ser.

– E a tal Thaís que comanda o G.E.?

– Ela é da polícia ou Psicóloga? Como ela comanda a tropa do tal G.E.?

– Não sei, ela vive rindo não tem cara de durona não. Se não é policial não deve funcionar. Então deve ser uma bagunça.

– Não escutas a gritaria? Então…

– E a outra tal de Cláudia? Um dia eu espiei.Tu não vai acreditar. Ela dando aula e obrigando os alunos ficarem de olhos fechados.

– Por quê? Não queria que eles olhassem pra ela?

– Olha. Sei não. Ela tava descalço. Pode ter esquecido o sapato e não queria que ninguém visse. No fim quem obedeceu ela deu uma flor pra cada um.

– É pode ser. Mas já vi outros alunos e professores que não usam sapatos.

– O que? Que coisa estranha…

– Tem muita coisa estranha.  Tem aluno filho de aluno.

– Sei até os nomes: Uma tal de Nara e um Bruno. Vai ficando tudo junto por aqui.

– Tudo grudado.

– Parece que pra ser professor precisa ter sido alunos. E será que precisa por os filhos também?

– Deve sim. Aceitam de todas as idades. Tens uns que começam bebês. Teve uma aluna de meses no fim do ano uma tal de Sofia.

       – Então aceita aluno criança e aluno adulto?

        – É pra tu vê que bagunça.

– Eu tava dando uma espiada lá de cima esses dias. E vi com meus olhos. A tal da aula, não era aula nada, era uma mercado              de verdade.  Os alunos vendiam suas coisas e cobravam dinheiro.

– Uma outra vez cada um tinha que doar coisas suas especiais para treinar um tal de desassossego ou desapego. O que será isso?

– Pra complicar um pouco, cada um descobre que tem 10 personagens dentro de si mesmo e diz que isso e muito bom.

– Falam que todos têm uma louca e um General?  E uma Cigana e um Cigano pra fazer aquilo.

– Hummm, o que? Mas que história é essa?

– Bom…Nem queria tocar no assunto…mas lembra do ano passado?

– Qual?

– Aquele dia? Das músicas e danças de cigana?

– Ah! Melhor nem pensar no que deu.

– Eu revirei o lixo e li o panfleto. Deixa eu ir buscar.

– Oh! Tá aqui: DESEJO FEMININO. Não tô inventando não. Tá aqui: só pras mulher treinar aquilo (vou falar baixo: SEXO)

– Isso tem outro nome. Que pouca vergonha!

– Treinar …  E vão usar como? Hum…Tá mal explicado.

– Ou muito bem explicado. Tudo Depravado.

– Era esse dia que tinha uma vela, né?

– E péra aí: olha essa aqui.

– Ué? Como é que tu tens uma vela dessas? Um homem e uma mulher pelado enroscado?

– A faxineira dos Satânicos me contou e pedi pra ela comprar pra mim?

– Mas pra quê?

– Diz que quando acende a vela e canta em outra língua assim ó: XIM ALEFI REIM. Atrai namorado e quem já tem amansa marido. Por vias das dúvidas comprei uma pra mim.

– Ó!!! Não sou de ferro não.

– Quem faz as velas é o filho da dona? Aprendiz de bruxaria.

– Como é que tu sabes?

– Eu também comprei uma pra mim.

– Ué? Mas tu não queria ficar solteirão.

– É, queria, mas andei conversando ai com uma delas e tô pensando outras coisas.

– Tu já foi lá?

– Não, não. Só numa tal palestra pra aprender a amar.

– Tu me surpreendeu, compadre. E eu aqui só na vontade. Nunca pus os pés lá.

– Nem deve mesmo. Não são bem certos eles.

– E essa história de catar fotos da família toda e ficar contando os segredos? Falaram que duas vezes por ano, passavam um fim de semana em retiro, dormiam tudo junto com as tais fotos das famílias. E pior que de tanto rezar nesse tal retiro, uns alunos se transformam em Anjos.

– Anjo de verdade? Não voltavam mais ao normal?

– Sei lá. Falaram que não. Desaparecem. A faxineira que foi embora disse que não aguentou tanta maluquice. Coitada fugiu. Ela escutava essas coisas e vinha contar pra mim. Ela morria de medo delas. Não tinha material de limpeza. Diziam que o bom era limpar a casa com incenso. E as músicas? Parece música do alem.

– Quase certo que fazem bruxaria.

– So pode se é mulher, mas tem uns homens sim, que eu vi. Quando os alunos começam a fazer consulta no tal terceiro ano do curso, não é um terapeuta com um cliente como é o normal pra ser se eles fossem Psicólogos. Falam, não sei se é bem verdade, que tem vezes que é um cliente e 7 , até 8 terapeutas. Tudo junto. Falando tudo junto. E que no ano passado em um  grupo de mulheres escutaram cantos e danças de índio. Dança e gritos de guerras.

– Isso já deve ser invenção, mas…

– Só sei que não tem prova pra passar de ano.  Tem trabalho final que eu vi –  que era era uma toalha de renda, almofadas, caixas, quadros.

– Será que não é um curso de artesanato que tem junto então?

– Já foi pior … nem tinha carteira de aula, agora vai ter. Até o ano passado eram almofadas e todo mundo jogado no chão. Podia até dormir que os professores não brigavam, não. Eles dizem que  todos são livres, que não tem certo e errado.

– Então pode fazer tudo o que querem? Que maluquice.

– A gente como vizinho tem que aceitar isso tudo. Um abuso.

– As secretarias entram ficam pouco tempo, só uns meses, tem sempre uma nova. Fazem terapia de graça com as Psicólogas até descobrirem o que querem da vida e vão embora. Uma virou gerente de loja do shopping, outra virou advogada. Muitas foram fazer psicologia. Como é que pode?

– Ainda bem que essa gente não fica muito tempo no mesmo endereço.

– É. São Ciganas. Já é a quarta casa que estão indo.

– Dizem que a dona adora obra. Ela é arquiteta e só depois fez curso de Psicóloga. O trabalho dela de verdade é restaurar casa tombada, casa velha, destruída. Todo mundo que tem casa pra reformar oferece para ela alugar. Não vê essa que estava caindo aos pedaços como ficou bonitinha? E todo mundo da rua começou a melhorar as suas casas. Hoje a rua tá toda bonita. Cada casa de uma cor. Isso ela colaborou. Agora como atendem muita gente de graça precisaram de uma casa maior. Ou melhor duas casas pra dar conta. Tinha noite que a rua ficava cheia de gente esperando o tal General G.E.

– Será o tal de dentro da cabeça que falam que todos tem?

– Deve ser sim.

– Sabe da última deles? A  casa que eles vão mudar agora é roxa.

– Roxa?

– Isso mesmo toda roxa.

– Cruz credo cor de quaresma?

– Quaresma que nada comadre  Cor de Puteiro!

– Cruz credo… Melhor que vão duma vez.

– Que vão em paz, pra longe de nós, né?

– É…

– Mas quem cria uma ONG pra atender de graça essa gente toda pessoa ruim não é.

– Olha! Não da pra entender não. Se são do bem ou do mau.

– A gente nunca viu bandalheira. Só maluquice e bruxaria.

– Devem ser boas pessoas apesar de serem esquisitões. Todo Psicólogo é maluco mesmo, né?

– É.

– Péra, deixa eu falar com a secretária pra pegar o número do telefone novo deles caso a gente precise, né?

– Lá vai o caminhão embora!!!

– É… Vão fazer falta…Era uma movimentação danada alí. A  rua não vai ser mais a mesma…

– É… Vai ser uma calmaria chata.

 

Telma Lenzi | 2010

O Projeto de Ser Telma

Quero agradecer o que li por aqui. Emocionou! Celebração no dia do meu aniversário. O dia mais importante do ano para mim.

Como cada um celebra o seu dia? Para mim tem que ter emoção. Muita.

O aniversário da gente é o dia em que tudo começou. Em cada situação vivida, de beleza ou de dor, houve um registro que vem contar a nossa história. E hoje, dia 14 de julho, é o meu aniversário, onde tudo começou pra mim.

Como me sinto no projeto criado por mim de ser Telma?

Dificuldades e beleza do que foi vivido, perdido, alcançado. Família, amigos, trabalho, responsabilidades. Hoje é um bom momento para avaliar e ajustar rota.

O que escolho para mim como Telma?

Quando recebemos tantos parabéns, votos de saúde e paz, estamos também celebrando nossa tarefa na vida? Para mim só existe uma grande tarefa: ser feliz!

Ser feliz sendo quem se é. Celebrar o que somos. Ser feliz e ser amado pelo que somos. Sem buscar concordância para o nosso jeito de enfrentar e fazer as coisas. Apenas ser.

Este é o projeto de ser Telma!

Obrigado pelos parabéns, saúde, felicidades, paz, tranquilidade, harmonia, ótimos fluidos, carinho, prosperidade, energia, brilho, luz, bênçãos, saudades, cheers, amor, $$, sucesso, vitórias, planos, sonhos, realizações, conquistas, satisfações, alegrias, beijos, lindona, menina, nega, cativante, sincera, espontânea, empolgante, minha mestre, profi, prima, priminha, irmã, filha, amiga, abraço mesmo de longe, que é bom estar perto de mim, que sou parte do caminho de pessoas, muitos docinhos, muitos motivos para celebrar, pela dica que niver no sábado da sorte, que o “meu ano” começou!

Viva! Adorei as mensagens!

Telma Lenzi | 2009

Caixinha de Cristal

Carta de uma mãe para um filho desaparecido.

Meu filho,

Tenho muitas coisas para falar, e como toda mãe, falo demais.

Queria te contar uma história, a história de um herói e suas caixinhas de cristal.

Queria muito um filho. Tinha medo de não engravidar (já tinha 34 anos).

Então, quando engravidei de ti tinha medo de te perder. Fiz repouso, fiz tudo certo.

Fiquei quieta construindo a sua primeira CAIXINHA DE CRISTAL – meu útero.

Tudo correu bem e no último mês tu já davas sinais claros que queria sair de lá. Crescendo sem parar, esticando as pernas e deixando a minha barriga com pontas bem visíveis.

Tive medo dessa sensação. Também tive medo da força do teu choro de quando nascestes. Pensei – será que vou dar conta de ser mãe dele?

E assim fostes crescendo. Eu te cuidava como uma leoa. Te amamentei até 1 ano. Te dei o meu melhor, sem dúvida. 

Nos primeiros anos tu aceitaste tranquilo a tua segunda CAIXINHA DE CRISTAL – minha superproteção.

Tinhas pressa de conhecer o mundo. Eu te colocava dentro da caixinha e tu escapavas. Tu fugias. Tu experimentavas tudo. Tu pulavas sem parar, corrias, saltava pelos parques. Queria liberdade, ficar solto.

Eu não podia desligar um minuto de ti.

Na natação desde bebezinho. O menor a andar de cavalo, o mais corajoso. Todas as novidades tu querias experimentar.

Como te proteger? Como te segurar pra que não te machucasse?

Quantos machucados: joelho (muitas vezes), pontos na testa, no queixo, cirurgias de emergência. Tombo de skate. Dedos torcidos, machucados, dedos quebrado, cortados.

Quedas de bicicleta. Ufa! Fazia o que podia…

Comprava brinquedos (bonecos, carrinhos, legos, fantasias de heróis), para ficares dentro de casa sem tédio. Mas o que gostavas era de viajar, passear em espaço livre pra correr a vontade.

Lembra das Dunas? Das praias e dos hotéis fazenda? E das trilhas de cachoeiras? Como gostavas!

Como te conter? Eu ficava o tempo todo monitorando a hora de te pôr de volta na tua CAIXINHA DE CRISTAL – minha proteção. A tal caixinha de proteção nesta idade entre 4 e 10 tinha mesmo que estar sem tampa e livre para entrar e sair. Tu ficavas sempre pulando fora. E eu de olho.

Dei o meu melhor, mas te passei o meu medo. Tu não tinhas medo de nada, e isso era muito perigoso. Exagerei? Pode ser, mas só sei que não queria te perder, desde sempre, e tu sobreviveste a uma infância de furacão.

Onde foi parar essa essência? Muito medo aprisiona… Pouco medo não sobrevive! Qual a medida certa? 

Não sei.

Não atingi este ponto de equilíbrio. Como poderia te ensinar? Como poderei te ajudar?

Então entrastes na adolescência. Tantas mudanças. Mudança de cidade, mudança de mundo. O mundo urbano. Os assaltos. A vida foi lentamente se complicando.

O mundo dos Games. A internet. Como enfrentar os desafios da vida real, do mundo? Tu não sabias. Ninguém sabe aos 16 anos.

Eu tinha medo de tu te machucar. Queria te proteger de todo o mal do mundo. Dos amigos interesseiros e traiçoeiros. Das meninas maldosas. Das baladas, bebidas e drogas.

Tinha medo de saíres da CAIXINHA DE CRISTAL definitivamente como homem. Então, para te proteger, te causei outro mal: O mal do medo. 

A primeira namorada. O primeiro término. A primeira decepção. Como ela se atreveu? 

Vi tu sofrer uma dor de amor tão grande que não consegui suportar e, te puxei. Sim te puxei pra perto de mim. Para te proteger. 

Não percebia que teu sofrimento era um mal necessário. Um mal que poderia te fazer crescer. Que fazia parte do teu treinamento de adulto, da vida. 

Eu não entendia nada. Eu não queria saber. 

Tu eras meu. Meu único filho. E sofrias.

Ah! Eu te cuidei como um menino e te curei daquela dor de amor. Pelo menos era o que pensava.

Era seguro pra mim te ver por perto, sempre em casa, no PC, no quarto, viciado no jogo. Como custei para perceber o que estava acontecendo. Tu não saia mais de dentro da tua terceira CAIXINHA DE CRISTAL – teu quarto. 

E minha proteção passou a ser tua agonia.  Passou a te afetar, a te deixar sufocado.  A te enlouquecer. 

Como foi que eu não vi? Eu não podia ver.

Ah! Amar demais, amar com medo. A emoção intensa, cega, confunde, atrapalha o discernimento.

Mas tu precisavas dela. Tu não conhecias outra forma de amor. Tu não sabias o limite. Então, exausto, tu me pedias ajuda. 

Teu maior amigo passou a ser eu.

Entre o céu e o inferno, passamos os tempos da tua adolescência.  

E assim começamos a nos estranhar. A brigar e nos enfrentar. Às vezes como adversários… Às vezes com competição… Às vezes com violência. 

Teu maior inimigo passou a ser eu.

Mas não era entre eu e tu a batalha! Não era entre mãe e filho. 

Era entre a minha expectativa e a realidade de ser mãe. Era entre a tua dúvida: ser menino ou homem? Fuga ou enfrentamento? Fracasso ou vitória?

E tudo mudou de repente. Como deu essa volta?  

Agora, o teu maior inimigo não sou mais eu. Teu maior inimigo é enfrentar a ti mesmo. O medo do mundo real.

E tua inquietude desde a barriga? A tua energia de aventureiro desde menininho? A tua vibração por experiências vivas, reais?

Tu entraste para outro mundo. O mundo virtual. Tuas experiências passaram a ser através da imaginação e não da ação. Tua alma adoeceu. Hoje redes virtuais fazem parte da tua geração.

Mas qual é o ponto do equilíbrio? Jogo na internet ou jogos de futebol? Conversas online ou beijo na boca? Amigos virtuais ou amigos reais? Vício no jogo ou vício no sexo?

Tudo é bom! Equilibrar é bom! Como poderia te ensinar? Como poderia te ajudar se eu também não sabia sobre este equilíbrio?

E assim nos perdemos um do outro. Éramos só eu e tu. E tu sumiste do mundo… 

Te tirar da minha proteção, te mandar embora. Te empurrar pro mundo. Quantas vezes senti vontade, mas confundi amor com proteção. 

Então era esse o caminho? E de que forma fazer?  Como pedir isso para uma mãe? Como convencê-la que amar demais faz mal? Que proteção demais é sentida como castigo? Tinha medo de tu não dar conta e se perder?

Quem pode me condenar?

Não importam os outros. 

Eu me condeno.                     

Como isso aconteceu?

Fui boa mãe de ti menino. 

Mas do adolescente não acertei o ponto entre proteção e liberdade. 

Parte minha se manteve na minha caixinha de cristal do medo da vida real. 

Ficava confusa com medo e raiva. 

E te deixei confuso e com medo e raiva de mim. 

Tua energia foi gasta neste conflito. 

E entre eu e tu, tu te foste de mim.

Agora, estou te entregando a ti mesmo para continuares. 

Agora tua vida, tuas experiências estão contigo. 

Nada mais está comigo. Nem tu estás. 

Não posso mais controlar para que não sofras. 

Pelo contrário, sou a causadora da tua dor.

Por outro lado paradoxalmente continuo a ser aquela que te faz crescer.

Minha voz irá contigo!

 

“Ser mãe é padecer no paraíso”

Telma Lenzi | Maio de 2009

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Sejam Bem Vindos!

Passei o fim de semana arrumando a Casa Antiga, onde acontece o Curso de Formação e a Clínica Social.

Final de mais uma etapa de obras. O telhado caiu, as paredes ruíram. Achamos uma escada no lixão e adaptamos a nossa sede.

Passei o fim de semana pensando em vocês: meus alunos, futuros alunos, minha equipe de trabalho e voluntários.

Temos uma ONG! A ASSIM (Associação Instituto Movimento) está aí!

Sem receita financeira; só o Movimento patrocinando. Temos telhado novo para não chover mais dentro, mas não temos todos os móveis. Temos escada, mas não temos divisórias. Temos estrados novos, mas as almofadas são as mesmas.

Somos uma ONG! A ASSIM esta aí!

Só desta forma o sonho de manter o Curso de Formação e aumentar o número de atendimentos psicoterápicos aos clientes carentes da Clinica Social, vai deixando de ser um empenho pessoal desgastante e passa a ser uma Obra. Obra de todos nós.

Não é fácil sonhar um sonho considerado impossível, como um capricho. Vieram críticas, decepções e abandonos, mas tive insanidade suficiente para segurar por 20 anos.

Sonhei que daria conta de patrocinar esta Obra, mas não é mais possível. Cresceu e pediu ajustes profundos e necessários, que nos fizeram repensar os caminhos para alcançar o objetivo maior. Objetivo de prestar atendimento a uma grande demanda da nossa comunidade carente, que precisa de uma rede de profissionais que passaram, passa e passará pelo curso de Formação Sistêmica.

E assim, nasce a ASSIM: Associação Instituto Movimento.

De todos nós, da equipe, dos alunos, ex-alunos, futuros alunos, dos professores, da comunidade, dos amigos, doadores e voluntários, e de quem mais quiser fazer parte.

Faltam coisas, mas não falta coração no que fazemos. Temos paixão pelo que vem pela frente: A alegria e a tensão de ver um novo terceiro ano acontecer em 2008, com guerreiros para realizar um trabalho de verdade, forte e ressonante; a prática de ser um terapeuta sistêmico; inovações de equipe reflexiva sem espelho; e, o atendimento de grupo – os dois primeiros grupos de psicoterapia na Clínica Social da ASSIM: MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA E GRUPO DE PAIS OU RESPONSÁVEIS. Marco de lançamento da ASSIM.

As imprevisibilidades que aguarda o segundo ano. Como acontecerão as tramas deste grupo tão intenso? Será que todos voltarão? Fecharam de maneira tão especial, como retornarão? Tantos temas, tantos autores, o FOT II os aguarda.

E, para os futuros alunos... Muitos já estão inscritos. Muitos virão ou estão pensando. Ao lerem este chamado, poderão resolver ficar bem longe disto tudo, ou ficarem com vontade de fazerem parte desta História. História da Psicologia.  História de uma indignação por falta de atendimento de Psicologia a carentes, História de uma “Cuidadora” sistêmica.

Sei que não é fácil estar ao meu lado. Sou indignada com omissos e indolentes.

Sou incansável diante da busca de ir além. Sou emocional e “Cuidadora”. Agitada e intensa, e, gosto de ser assim.

Para quem está comigo. Obrigada por me aceitar!

Para quem se foi ou quer ir embora, eu entendo, mas é pena!

Para quem não experimentou. Venha! 

– Venha!

Preciso de alunos, da equipe, de voluntários, de muito apoio para esta Casa Antiga vibrar. Preciso das histórias pessoais dos alunos e de suas famílias, das discussões em aulas – seriam aulas ou sessões de terapia?

Preciso do processo das turmas se transformando em grupo; das polêmicas, dos conflitos do pensar diferente de cada um. Preciso ver surgir os generais, as loucas e vítimas de cada grupo – mesmo que de vez em quando nos tenham escolhido para inimigos. Preciso de pessoas que queiram mais. Mais de si mesmos, de conhecimento, de teoria, de troca emocional, de crescer sem medo de ser feliz.

Só desta forma concebo a Formação: a teoria acontece nas aulas teóricas e nas trocas reais; no aqui e agora somos e seremos sempre sistêmicos. Sem verdades absolutas, sem confronto, com profundo aceitar do outro. 

– Venha!

Somos uma ONG, ASSIM.

Precisamos de tudo e, por outro lado, não nos falta nada, porque temos o essencial: a certeza que estamos em nossa missão de vida. – Será a sua missão também? 

– Venha!

Traga a saudade, amor, vontade, avidez de aprendizagem. Traga tolerância pelas dificuldades que ainda teremos que passar. Traga doações. A ASSIM é de todos nós. Vasinhos, vasos, floreiras. Florzinhas, incenso, porta incenso, CD de música New Age – Você tem um especial? Copie para todos nós – almofadas, pufs, cadeiras ou o que mais pensar. – O que você tem que pode ser o símbolo de doação e desapego? Mas, além da doação… 

– Eu quero você por inteiro!

Para vivenciar esses processos, seja como aluno na Formação, como voluntário, como equipe, como cidadão responsável social. A ASSIM é um lugar para crescermos e sermos melhor. Ninguém que por aqui passou é, ou será o mesmo. Cresceu como pessoa!

Eu agradeço a minha teimosia de ter mantido a Formação e a Clínica Social e, agradeço a cada um a possibilidade de serem mobilizadores do meu crescimento pessoal.

Estou esperando por você!

Telma Lenzi |Março 2008

O quê você quer de Natal, Mocinha?

Minha história começa em uma cena de Natal. Shopping Oslo em Córdoba – Argentina. Preços convidativos. Uma grande oportunidade: Mais presentes podem ser comprados!

Quero este, quero aquele também, quero comprar mais, quero me garantir, quero aproveitar. E uma sensação de agitação, prazer toma conta de mim. Ou será ansiedade? Não importa. Adoro dar presentes. Presentes para todos que gosto e que estiveram perto de mim nesse ano. É a minha forma de demonstrar amor por quem eu amo: dar presentes.

E o shopping borbulhava de pessoas. Muita gente, muitos brasileiros, com a mesma intenção.

Aproveitar a diferença de câmbio. Stress para aproveitar a oportunidade. Presentes… E o tempo passando. Do prazer para a agonia. Agonia do barulho e agonia das pessoas. Filas nas portas é sinal de mais vantagens, promoções relâmpagos. As pessoas se atropelam. E lá estou eu e minha agonia. Vontade de acabar depressa.

Procuro pela minha consciência individual e nada. Ficou perdida na multidão. Então, no meio da orgia natalina, um pouco mais a frente um velhinho simpático, gordo e tranqüilo contrastava com a cena que ia ficando para trás.

Um Papai Noel perguntava a uma menininha:

 “O que você quer de Natal”?

Eu fui me aproximando (na verdade, minha menina interna me puxando). Fiquei olhando aquela cena, como se estivesse em estado de encantamento. Ah! Eu queria colo, consolo daquele bom velhinho.  Meus pensamentos enlouqueceram.

O Papai Noel esticou a mão com balinhas para mim. Timidamente  aceitei. E ele me perguntou:

O QUE VOCÊ QUER DE NATAL, MOCINHA?

Sorri constrangida com a pergunta, e emudeci. Atordoada, fiquei parada olhando pra ele. Dentro de mim, algo me tragava de volta pro meu mundo interior, me resgatando do coletivo. Arrastou-me como uma onda gigante me levando de embrulho até a areia da praia.

Aos poucos fui me restabelecendo do impacto, queria sair dali. Busquei um banco do lado de fora do Shopping. Procurei por um café. Mesinhas na calcada, um lugar tranquilo. Precisava me sentar. E ele perguntou de novo, agora nos meus pensamentos?

O QUE VOCÊ QUER DE NATAL, MOCINHA?

O que eu quero do Natal? Como assim? O que eu quero para 2008? O que eu gostaria mesmo de me dar? O que me falta de verdade? O que quero dar pra quem eu amo?

Não quero dar nada disso: correria, agitação, ansiedade, comercio, tensão de final de ano. Tudo não acaba 31/12. Tudo acaba e começa todo instante, todo dia.

Não quero mais isso na minha vida. Não gostaria de ver quem eu amo nessa armadilha, também. Tudo isso eu não quero. O que eu quero então?

O que eu quero dar pra quem eu amo, de tão especial que possa fazer uma diferença em sua vida? Minha forma de demonstrar amor é dar presentes. Carrego comigo lentidões, padrões a serem mudados. Preciso dar outro significado a isso. Quero dar presentes especiais.

Quero sonhar!

Para os que estão planejando uma viagem cinco estrelas.

Meu presente são passagens para o seu próprio mundo interior. Percorrer o caminho dos seus valores e mitos. Subir o morro mais alto de suas alegrias, enfrentar as cavernas dos seus medos, visitar os vales dos seus sonhos de paz. Resolver pendências, dar explicações sobre você, a você mesmo. Hospedar-se em sua alma.

Para os que sonham com a casa dos sonhos.

Meu presente é um lar, que se torne seu santuário. Mobiliado com suas lembranças. Impregnado por seu estilo. Onde você experimenta o bem- estar. Todas as cores. Ou tudo branco. Um quintal, um jardim, uma varanda para desfrutar do sol. Praticar a essência de morar.

Para os que querem uma jóia.

Ofereço de presente o ouro do mais puro quilate que são os relacionamentos, os amigos. Amigos para todas as horas. Amigos para dar risadas. Outros só para as horas difíceis. Amigos de uma vida toda. Amigos de uma estação. Amigos distantes e presentes. Todos importantes. Amigo é melhor que gente influente.

Para os que apreciam objetos de luxo sofisticados.

Quero lhe presentear com objetos especiais. Luxo é aquilo que é raro, escasso, exclusivo, ou seja, tudo o que não é comum nem usual. É emocional. Então vamos escolher. Temos por aqui vários deles:

O silêncio. Alto valor emocional e que é raro.

Estilo próprio. Apreciar as coisas fora do seu contexto.

Atitude chic. Abrir mão do Status.

Responsabilidade Social. Uma preciosidade.

A pausa para o café na esquina, o cheiro do pão, o sorriso do filho, o mar, a chuva, e o que mais for raro para cada um.

 

O VALOR DAS COISAS É MEDIDO NÃO PELO QUE ELAS VALEM, MAS PELO SIGNIFICADO QUE VALE PARA CADA UM.

Vem na minha mente uma frase que gosto muito: “Simplicidade é o máximo da sofisticação” de Leonardo da Vinci. O garçom interrompe a minha conversa interna trazendo a conta.

Vou seguindo meu caminho, e a pergunta aparece de novo: 

O QUE VOCÊ QUER DE NATAL, MOCINHA?

Já tenho, agora, uma resposta e isso me faz bem.

Quero o meu luxo. Quero tornar-me a medida do meu luxo. O valor medido pelas emoções vividas. Quero tudo que me devolva para a minha verdade. Da aparência para a essência. Que me eleve do ter para o ser. Quero as experiências de alto valor emocional que me são raras Quero o presente de estar presente!

Telma Lenzi | Dezembro 2007

“Sonhar é o melhor de tudo e muito melhor do que nada”. (Luis Fernando Veríssimo)

 

 

 

É possível ser feliz no casamento?

Vamos começar a nossa conversa modificando a acentuação do titulo: é possível ser feliz no casamento!

Em um mundo de pressas, consumo e performances, o casamento também corre o risco de ser facilmente descartável.

O  número de divórcios aumenta. Mas o número de pessoas que querem uma relação estável também.

Todos queremos um parceiro(a). Todos concordam que ser casal aumenta a qualidade de vida, de bem estar, diminui risco de doenças psicossomáticas, favorece o crescimento.

Mas esse é o paradoxo: favorece o “crescimento”. Mas crescer dói.

Crescer é tomar conta a criança mimada, magoada, braba ou birrenta que existe dentro de cada um. Sendo que muitas vezes, na confusão emocional da avaliação das dores de uma relação, muitos casais tomam descaminhos: briga, mágoa, abandono, rejeição, solidão a dois, traição, separação.

Crescer dá trabalho e leva tempo. Crescer exige disponibilidade emocional. Crescer é aprender a ser sozinho para poder ser casal. Crescer exige a atitude de Amar.

Afinal quando se diz: eu te amo? Afinal como se define o Amar, e o Amor?

O ato de Amar é construído no campo da emoção chamado Amor.

Para Maturana (biólogo Chileno), “o amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência”. (1998).

Um antigo registro da definição de Amar datada de 50 d.C.(E. aos Coríntios), nos fala da atitude de amar: “Em essência, o amor é paciente, bom, não se gaba nem é arrogante. Não condena por causa de um erro cometido, não se regozija com a maldade, mas com a verdade.”

Então ser um Casal envolve aceitação mútua, dos fatos, das circunstancias, da própria vida como ela se apresenta. Envolve um ato de grandeza, e está longe de ser entendida como submissão ou passividade.

Um exemplo para este tipo de amor é o que sentimos por nós mesmos. Normalmente a gente se ama e se aceita nos diversos erros que cometemos a cada dia. Perdoamos-nos rapidamente. Não ficamos de mau e nem querendo nos abandonar ou questionar se vamos conseguir conviver com a gente, não é mesmo?

Então porque parece estranho, se praticamos este amor o tempo todo conosco?

A expectativa no casamento (e consequente frustração) de desejarmos que o outro seja do jeito que a gente quer, nos dificulta a ver a pessoa do jeito que ela é e precisa ser vista e amada. Isto é que chamaríamos submissão e passividade diante de uma criança interior que deseja as coisas de um jeito que não poderão ser. Esta atitude leva a sofrimento pessoal e sofrimento da relação.

Aceitar, apoiar e encorajar um ao outro para que aconteça este processo de lidar com a perda da ilusão (frustrações) é o que chamaríamos: um relacionamento, um casamento de amor.

Nossa necessidade emocional básica não é nos apaixonarmos, mas sermos verdadeiramente amados por alguém que nos escolheu amar, que vê em nos algo digno de ser amado.

Os ajustes de um relacionamento quando existe a escolha de amar e ser amado serão feitos com paz, menos medo e mais sabedoria.

E o que a gente ganha quando ama?

Para Dalai Lama (mestre tibetano), o Amor é uma emoção que nos devolve paz, força interior, autoconfiança na nossa condição humana, reduz o medo, a raiva o ressentimento e vem acompanhado de sabedoria e paz.

O resultado maior de amar é se permitir sentir a própria experiência do amor; que é pessoal única e interna. É o que se sente, é a paz pra quem se doa neste sentimento.

Talvez você leitor esteja se perguntando:

Como posso avaliar meu casamento? Como posso diferenciar se estou apaixonado ou amando para pensar em um relacionamento mais serio?

Faça-se quatro perguntas a você mesmo:

  1. É uma escolha minha conhecer e ter um relacionamento com este(a) homem / mulher?
  2. Estou me esforçando para que de certo?
  3. Estou interessado em incentivar o crescimento pessoal dele(a) e vice-versa, ele(a) de você?
  4. Esta relação esta causando crescimento, transformando-nos em pessoas melhores, em todos os sentidos: afetivo, profissional, espiritual?

Se a sua resposta for Sim para as perguntas, você está em um relacionamento de amor. Agradeça e usufrua.

Se as respostas forem Não ou mais dúvidas, pare para refletir.

A experiência da paixão não é um ato da vontade nem uma escolha consciente. Não visa o crescimento pessoal nem da relação, e dificilmente fornece o senso de realização.

Pergunte a você mesmo a terrível pergunta que Nietsche sugeria ser feita pelos casais diariamente: Preciso desta relação para sobreviver emocionalmente? Se for sim á resposta, esta relação esta fadada a um fim.

Escolha a vida! Escolha o caminho do bem estar, com compromisso com você mesmo.

Comece o dia perguntando-se o que posso fazer por mim mesmo para que o meu dia e (minha vida) seja pleno ?

Telma Lenzi | 2007