SOMOS TODAS BRUXAS

Você sabia que a mulher moderna é uma construção social que iniciou com o “Caça às Bruxas”?

Que dívida histórica.

Muitos homens historiadores, pensadores se calaram diante desse episódio.

Em que contexto essa barbárie foi permitida?

A quem interessava e ainda interessa o adestramento da mulher?

 

Voce não acreditou nessa história não, né?

Como se constrói um imaginário, uma crença e se faz sustentar por 400 anos?

Pois é…

 

Elas não voavam, não tinham pacto com o diabo, nem feitiçarias e orgias amaldiçoadas.

Quantas crenças sociais, imaginários, verdades construídas com interesses de minorias, manipulam a gente, todo dia?

A história está aí pra nos lembrar e evitar repetições.

Bom, quem eram elas, as Bruxas.

Elas eram mulheres que viviam, produziam e cuidavam dos filhos em comunidade, em atividade comunal.

Conheciam o poder curativo das ervas, faziam poções para curar enfermidades.

Tinham saberes sobre métodos contraceptivos e eram responsáveis pelos partos.

Gerenciavam suas casas, confeccionavam suas roupas e seus bordados.

Junto com seus parceiros produziam os alimentos na lavoura e cuidavam das finanças da família.

Viviam com liberdade e autonomia. Com soberania sobre seus corpos e suas energias sexuais.

Usufruíam com liberdade da força de sua sexualidade, mas não existia as noitadas, os banquete de orgias com Satã.

 

Logicamente elas precisavam ter grandes panelas para alimentar suas famílias   (Caldeirões de Bruxa).

E vassouras de espiga de milho para varrerem a casa ( Vassoura voadora).

Sim, fazer poções com ervas curativas era trivial (Magia) e o conhecimento era passado para as filhas, sobrinhas, amigas (reuniões de grupo para maldições).

Mas não usavam, necessariamente chapéus pontudos, e saíam voando nas sextas feiras de lua cheia.

Os partos dos bebês aconteciam só na presença das mulheres e de seus saberes. Era um momento feminino.

Mas não esquartejavam os recém nascidos para rituais satânicos.

 

Usavam seus conhecimentos para a condução de partos, a cura de doenças e epidemias nos seus povoados e isso acabou despertando o desagrado da instituição médica masculina em ascensão.

Estes elementos cotidianos das mulheres camponesas da Idade Média, foram demonizados à serviço da construção de um imaginário sobre Bruxas.

Assim se dá a construção de crenças sociais que aos poucos vamos internalizando como verdade, nos submetendo a elas, muitas vezes sem nenhuma coerência ou sentido.

O poder da Igreja e do Estado se uniram para controlar a mulher, sua liberdade e sexualidade.

 

A “caça às bruxas” foi, sem dúvida, um processo bem organizado, financiado e realizado conjuntamente pela Igreja e o Estado.

E isso perdura até hoje.

Com a ascensão da Igreja Católica, o patriarcado imperou.

Neste contexto, tudo o que a mulher tentava realizar, por conta própria, era visto como uma imoralidade.

 

Essa construção pautada no tom de desconfiança dos saberes das mulheres, demonização e criminalização de suas vidas cotidianas, condenação pública, mobilizaram muito medo e culpa, fortes dispositivos de controle.

Intensificadas com as cenas máximas de violências e barbárie: Queimadas na fogueira em praça pública.

Estes foram dispositivos sociais usados para adestrar e submeter as mulheres aos interesses econômicos da época e reprimir a sua sexualidade.

A caça às bruxas, foi um capítulo obscuro na transição do mundo medieval para o período moderno, um processo histórico vergonhoso.

A crença na bruxaria desencadeou uma das perseguições mais brutais que o Ocidente já viu.

Por 400 anos, o Estado e as autoridades religiosas da Europa prenderam, torturaram e mataram cerca de 9 milhões de mulheres.

Um verdadeiro genocídio contra o sexo feminino, para manter o poder do Estado e da Igreja, mulheres que ousavam manifestar seus conhecimentos médicos, políticos ou religiosos foram acusadas e punidas.

 

As acusações:

  • Praticar crimes sexuais contra os homens, através de um “pacto com o demônio”.
  • Culpadas por se organizarem em grupos – geralmente reuniam-se para trocar conhecimentos acerca de ervas medicinais, conversar sobre problemas comuns ou notícias.
  • Punidas com a morte na fogueira por possuírem “poderes mágicos”, que provocavam problemas de saúde na população, problemas espirituais e catástrofes naturais.

 

Por trás de um processo histórico obscuro existe razões e intenções econômicas, sociais e políticas. Não somente religiosas:

  • O que era comunal virou privado. O processo violento de usurpação e acumulação de riqueza pela classe burguesa antes do início do capitalismo.
  • Era necessário fragilizar a imagem das mulheres para abafar a revolta dos camponeses contra as atitudes da instalação do Capitalismo.
  • Era preciso tirar a produção comunal das mulheres. A casa precisava ser somente para reprodução e cuidado.  A produção e o de roupas, bordados, alimentos precisava ficar na mão dos produtores capitalistas, bem como o excedente. As empresas produziriam em escala maior e seria vendido para o proletariado. Maior valor ao que era industrializado do que o que era feito manualmente.
  • A autonomia das mulheres começa a ser desconStruída pela idéia de que isso diminuía os homens. Seus domínios e saberes foram criminalizados e demonizados.
  • O controle da sexualidade feminina foi determinante e central.
  • Mulheres foram responsabilizadas por tornarem os homens impotentes.
  • A crença de que as bruxas estavam escravizando-os, escravizou homens e mulheres. Implantou desconfiança e medo nas relações conjugais.
  • Transformou sexualidade em trabalho: Prostituição e Casamento.
  • O adestramento aconteceu para homens e mulheres, mas de forma diferente. Homens perderam suas propriedades comunais, em troca foram apoiados a usar o corpo da mulher e oprimi-la.
  • O capitalismo desqualifica e demoniza até hoje as mulheres.

O feminismo busca resgatar a imagem das mulheres bruxas em nossa história, tanto nos aspectos religiosos, como também políticos e sociais que envolveram a “caça às bruxas” na Idade Média.

As mulheres, através de seus conhecimentos medicinais e sua atuação em suas comunidades, exerciam um contra-poder, dificultando a implantação do patriarcado e, principalmente questionando o poder da Igreja.

Elas foram as grandes vítimas do patriarcado.

Hoje, as mulheres ainda continuam sendo discriminadas e duramente criticadas por lutarem pela igualdade de gênero e a divisão do poder social e econômico, que ainda é predominantemente masculino, continuando assim vítimas do capitalismo e do patriarcado.

Por isto, as bruxas representam para o movimento feminista, resistência, força, coragem na busca de novos horizontes de liberdade.

 

 

A última fogueira foi acesa em 1782, na Suíça.

Porém, a Lei da Igreja Católica que fundou os “Tribunais da Inquisição”, permaneceu em vigor

até meados do século XX.

Será que ainda somos caçadas?

 

Telma Lenzi

 

8 /10 /2020

Câncer de Mama

Quero falar com as mulheres.

Mulheres que recém receberam o diagnóstico de Câncer de mama, que estão passando ou já passaram por essa doença.

Ou com você que perdeu uma pessoa muito amada para o câncer de mama.

Eu tenho legitimidade nesse lugar de fala.

Eu também sou uma sobrevivente do Câncer de mama.

O câncer de mama é o tipo de câncer que mais mata mulheres no País.

Em 2018 – 17. 500 mulheres morreram no Brasil por causa do Câncer de Mama.

Se espera para os próximos 12 meses, 66.000 novos casos de câncer de mama, diagnosticados.

Então, se você não é uma sobrevivente, não está passando por isso, nem perdeu alguém pro Câncer, você não está livre de vivenciar uma dessas situações.

Minha intenção não é assustar, é conscientizar.

Trazer o tema para o diálogo, pra quebrar o estigma, o tabu sobre a doença CÂNCER, para tirá-lo das margens e, também por outro lado, questionar a sua glamourização.

Eu sou uma sobrevivente em uma condição de privilégio.

Classe média alta, plano de saúde particular, irmão médico Mastologista, amigos médicos que agilizaram o caminho para mim, em 9 dias – após o diagnóstico já tinha feito a cirurgia.

Todas sabemos que a possibilidade de cura está diretamente ligada se foi descoberto em seu estágio inicial.

Mas o diagnóstico precoce depende do conhecimento, da consciência da importância do auto exame.

E de nada adiantará se a mulher não puder ter a confirmação dos exames complementares, que dependem de agendamentos, equipamentos e profissionais especializados.

Do meu lugar de privilégio e conhecimento, percebi o câncer de mama pelas minhas mãos, pelo auto exame a 10 anos atrás.

O auto exame está nas possibilidades de todos, mas nem sempre é eficiente.

E a sequência do diagnóstico e tratamento, ah essa não é para todas.

Que violência!

A Lei previa 60 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento do câncer em pacientes do SUS. Agora o prazo foi alterado para 30 dias.

Porém, o Instituto Oncoguia cita que 60% dos casos de câncer no Brasil só são descobertos em estágio avançado, com chances menores de sobreviver.

Não há intenção política, ações suficientes para prevenir e nem orçamento para mudar essa realidade. Não há equipamentos e nem profissionais para essa demanda.

Então pra que serve a Lei se ela por si só não vai criar uma nova realidade?

E a realidade das mulheres do Brasil é essa.

Não é para todas o privilégio.

A glamourização do câncer de mama nas redes sociais, aponta os privilégios: Tratamentos multidisciplinares, apoio total de suas redes pessoais e familiares, lindos lenços, maquiagens perfeitas, perucas importadas, sorrisos para foto.

Na contramão desta realidade está a maioria das mulheres brasileiras.

Elas não tem plano de saúde e depende do SUS.

Foram diagnosticadas e não conseguem marcar a cirurgia.

Enquanto esperam, a doença diminui drasticamente suas chances de sobreviver.

Após a cirurgia seguirão aguardando em longas filas para o tratamento complementar, medicações.

Não terão atendimento de suporte multidisciplinar.

Terão que seguir dando conta da vida, da casa, dos filhos e a licença do trabalho reduz seus ganhos.

Mas as despesas com a doença, o medo e a dor só aumentaram.

Em uma ponta da balança, mulheres sem privilégios e desassistidas pelo estado.

Na outra ponta mulheres privilegiadas.

Em que ponto desta curva estamos?

Como podemos diminuir a violência contra a mulher?

O que cabe a mim e a você que me escuta?

Falar, falar, dialogar, trazer esse assunto para a consciência de todas, todos e todxs.

Não se conformar com essa realidade.

Manter a sua indignação, denunciar para gerar novos conhecimentos e revolucionar o sistema de dentro.

Das trocas do um a um podemos criar novas realidades, com acesso que privilegiem a todas as mulheres.

Pressionar o Estado pelos meios que sejam possíveis a você.

Apoiar as causas femininas e feministas.

A poiar a Rede feminina de combate ao câncer, a AMUC, o Cepon, o Mama Solidária, todas as iniciativas que gerem possibilidades de mudança.

Enfim não sentar na cadeira macia da zona de conforto dos privilegiados.

Por favor,

Se cuide, se toque.

Não seja a mulher que dá conta de tudo, além da conta.

Seu corpo vai querer parar.

E a doença, ou a morte pode ser uma narrativa de paz, de descanso.

A doença pode ser encarada como um ponto de mutação.

Um marco em nossa biografia que pode nos trazer mais clareza de propósito pelas grandes lutas pessoais e sociais.

E se você está passando pela doença, já passou como eu, ou perdeu alguém, que boa causa para lutarmos juntas, não?

 

Voce aceita o convite?

 

 

Telma Lenzi

 

8/10/2020

Uso consciente das Redes Sociais

Ontem vi o documentário da Netflix – O Dilema das Redes, sobre a manipulação que estamos submetidos como usuários das redes sociais.

Sim usuários, termo que se usa para dependentes de drogas.

Pensei muito se, eu iria seguir usando as redes.

O porque uso as redes.

E pensando de que forma posso contribuir para essa desconstrução.

Impossível ver o Documentário e não pensar em fazer algo.

Quantas horas por dia você passa no celular?

Algumas atitudes imediatas já implantei:

Ficar atenta ao uso consciente do tempo.

Ficar atenta as emoções que possam ser manipuladas.

Tirar as notificações automáticas que nos roubam do mundo real e nos colocam de volta para dentro da maquina.

Seguir pessoas que pensem diferente de mim para me tirar da bolha polarizada.

Não abrir mão da vida real.

Estar nas redes só me interessa se for para contribuir com algo, com alguém.

Criando conteúdos verdadeiros que possam, de fato corresponder a quem eu sou, no que acredito e vivo.

Sim, eu sou teimosamente otimista e acredito que as redes possam ser espaços de diálogo também, se ficarmos atentos para não ser manipulados.

Sim eu acredito que o mundo pode ser mais gentil, humanizado, colaborativo e com mais diálogos de paz.

Sou participante na transformação que quero ver no mundo e sei bem onde inicia o meu fazer. Bem aqui, no meu mundo interno.

Eu me trabalho muito e gosto.

Acredito que os limites da minha subjetividade, emocionalidade definem os limites da minha prática enquanto Terapeuta e enquanto pessoa, cidadã responsável no mundo.

Então não é do lugar de ensinar autoconhecimento que falo.

O que busco é vivenciar, evoluir no conhecimento de mim mesma.

E, se ao compartilhar o que estou vivendo e que me faz melhor isso inspirar pessoas, meu propósito se fortalece.

Amo evoluir com os relacionamentos genuínos do cotidiano de nossas vidas diárias tanto quanto teóricos e teorias complexas.

Cresço e aprendo muito com pessoas plenas, em seus momentos de sucesso máximo, da mesma forma que acompanhar profundos sofrimentos emocionais e desesperanças me fortalece e me faz melhor.

Quero falar de diálogos internos produtivos e colaborativos onde os Personagens que nos habitam possam ser nossos grandes aliados para evoluirmos, colaborando em novos itinerários de velhas questões.

Quero que a suplementação dos parecidos me fortaleça.

Tanto quanto quero por perto os que pensam diferentes de mim.

Ah! Quero os suficientemente diferentes.

Nem radicalmente diferentes que gera dor, micro violências, nem os pouco diferente que não coloque boas e necessárias dúvidas nas minhas certezas.

Preciso da ajuda dos diferentes para fortalecer minha humildade e furar minha bolha de verdades estabelecidas.

E este é o grande risco: O risco das polarizações.

Polarizações, radicalizações não geram diálogos. Geram conflito e roubam a paz.

Sou portadora de um eterno e doce desajuste.

Sempre olhando pro sistema de fora da caixa.

Um olhar atento pro mundo que vivo e outro pro meu mundo interno.

Aqui nas redes sociais, sigo buscando novas maneiras de inspirar pessoas em seu bem estar e suas liberdades de ser, suas singularidades, em um sistema social que pressiona no caminho oposto.

Por isso, com essa intenção, verdade e consciência, seguirei usando as redes, colaborando para o seu uso consciente e denunciando sempre as manipulações.

Por mais diálogos no mundo!

 

4/10/2020

 

Telma Pereira Lenzi

 

Conversa com a Criança Interior

Hoje tive um encontro muito importante.

Com ela.

Essa menina de 6 anos, minha Personagem Criança Interior me fez umas perguntas interessantes.

Ela me pergunta, o que eu fiz com as coisas que ela mais gostava de fazer.

Se eu, como adulta sigo fazendo o que me fazia muito feliz.

Fui questionada sobre muitas coisas e aqui compartilho algumas delas.

– Tu ainda sobe naquela árvore do jambo e fica imaginando histórias?

– Sim muito.

Mas na imaginação.

Imagino eu lá em cima da árvore, vendo nuvens. Aí eu escrevo as histórias e publico para inspirar pessoas.

– E escutar as conversas dos adultos, principalmente as proibidas da ditadura?

-Adoro.

Converso e escuto muito as idéias das pessoas (autores) em seus livros.

Gosto tanto de escutar histórias, conversar que virei Terapeuta. Escuto historias o dia todo.

E sobre as histórias do pai que protegia perseguidos políticos, isso me marcou muito.

Sou bem ligada nas injustiça do mundo, a gente chama isso de Ativismo Social e temos uma ONG.

– E brincar de casinha, arrumar os móveis, que era a melhor parte.

E as minhas bonecas?

– Simmmm. Amo decoração, que é arrumar os móveis.

E brinquei muito com meus 2 bebês. Hoje continuo acompanhando eles na vida adulta deles.

Ah! E o Momo está aqui comigo.

– Mesmo o meu MOMO?

Eu queria dizer “é meu” e saia MOMO. Daí ficou o nome dele, hehe.

– Sim. Este mesmo. O primeiro bonequinho.

-E brincar com os carrinhos do meu irmão, que eu adorava?

-Sim. Adoro meu carrinho de verdade e gosto muito de uma estrada pra dirigir.

Já fiz Raly e tudo. Que é brincar de jogar corrida de carrinho, na lama.

– Ohhh. Que legal que tu ainda brincas dessas coisas.

-E as brigas com o pai para fazer asa coisas que só os meninos podiam lá em casa?

-Hehe. Foi bom isso, né.

Tu conseguiu ir no jogo de futebol que era só para os homens.

E isso fez eu nunca recuar quando a regra do mundo proibia algo por eu ser mulher.

 

 

 

E sermos em 5 mulheres em casa sempre me aproximou muito do mundo das mulheres. Hoje no meu trabalho somos muitas, a maioria mulheres. Amo.

– E ainda como chocolate e bala escondido do mãe e do pai?

– Bom. Era bem divertido encontrar os esconderijos que mudavam de lugar, né?

Ainda adoro uma besteirinhas, chocolate então… Mas hoje tenho que esconder de mim mesma. Hehe.

– E teu quintal tem gabiroba, jambo rosa e amarelo, araçá, goiaba, pera, ameixa, banana e pitanga, né?

Porque o quintal é o melhor lugar da casa e eu adoro ficar lá.

– Ohhh. Não. Isso ainda estou me devendo. Mas prometo pensar nesse projeto fortemente.

– E o meu problema de não gostar da escola, não prestar atenção no que não me interessava, me prejudicou muito?

-Não.

O problema não era tu, mas o tipo de escola.

Hoje atendo muitas crianças criativas que não gostam da escola tradicional, também. Pouca coisa mudou, mas tá melhorando.

-Ufa. Fico mais aliviada de saber. Ganhei tanta bronca das professoras.

– Tem coisas que me deixam muito triste. Queria saber se vai passar.

– Pode perguntar.

-Eu consegui parar de fazer Xixi na cama?

Eu fico triste com isso.

– Sim.

Tudo tem seu tempo e as coisas foram sempre se organizando pra melhor.

– Obrigada por me contar. A menina fala com um tom de alívio.

– Queria fazer uma última pergunta. E a pior pergunta…

E o pai? Tenho medo que ele morra. Isso me deixa muito agoniada.

– Sim.

Foi bem difícil todos esses anos de infância com esse medo e ele tão doente.

Mas ele viveu até eu ter 26 anos. Me ajudou, apoiou muito no inicio da vida adulta. Um super pai pra todos nós.

Ela suspira e seus olhinhos se enchem de lágrimas.

–  Tchau, vou brincar.

E ela sai correndo. Mas de repente volta as pressas.

– Ei, pera, pera. Tem mais uma aflição em mim. Posso só mais uma última pergunta, só uma?

-Pode.Claro. Todas que quiser.

-E vou ganhar uma irmã ou irmão daqui a uns dias.

E todos falam que eu vou pro canto. Que não vão mais gostar de mim.

Que vai ser de mim?

– Isso foi muito cruel contigo. Não era verdade. Foi bullying.

– Bullin?

– Sim, Bullying. Brincadeiras maldosas que machucam muito.

Olha. Deixa eu te contar algo muito bom: Tem amor pra todos.

E vai ser uma menina.

E pode acreditar, ela vai crescer logo, logo e vai ser a tua melhor amiga na vida.

Ela sorriu, me deu um abraço demorado e voltou aliviada pra brincar.

 

E como seria com você?

O que a sua Criança Interior lhe perguntaria?

Tire um tempo pra você e faça as suas perguntas.

Suas alegrias da infância estão presentes na sua vida adulta?

 

Telma Lenzi

07/10/2020

 

Pausa e Natureza

Um final de semana aliviando a rotina do Distanciamento Social de mais de 6 meses. Buscando bem estar e recarregar a energia, mantendo cuidados e distanciamentos, vim pra natureza. Nós e o local com as devidas regras de segurança asseguradas nos aventuramos.

Todo nós precisamos de pausas, para sentir e seguir nossos propósitos.

Pausa pra meditar, pra rir, ser feliz, pra chorar no cantinho aquela dor só nossa, respirar fundo e seguir fortalecido nas nossas buscas.

 

Pausas 

Pausa pra criar  em nossos diálogos internos, um presente possível nestes tempos tão difíceis da Pandemia. Ou quem sabe se jogar nos planos de um futuro melhor, em um mundo diferente que virá.

Hoje eu convido para uma pausa nessa grande batalha.

Seja onde for, de forma cuidadosa, no tempo possível de cada um, pelo menos em uma profunda respiração… faça uma pausa.

Abra mão por um tempinho do relógio, das obrigações dos itinerários automáticos, da correria sem limite, sem linha de chegada, sem celebração, sem massagem pós corrida, quando emendamos uma maratona no próximo desafio e assim acelerados perdemos o respeito pelos nossos corpos.

A dor de cabeça avisa, a insônia se instala, a ansiedade grita, mas será que estamos entendendo o pedido?

Só na pausa podemos retomar nosso ritmo natural, cadenciado pelo nosso tambor interno, nosso coração e, sentir que buscamos somente bem estar e sobrevivência.

Não existe maior mestre para essa aprendizagem do que a Natureza, o natural, o humano.

Tantas lições!

 

Natureza

Nela somos convidados a lembrar da nossa vulnerabilidade de que não somos mais importantes que os outros seres vivos, animais, plantas.

E lembramos que este mundo tem uma ordem natural estabelecida e que é assim mesmo e que muitas vezes a gente se afaste dessa verdade, mantendo ilusões negacionistas de poder e imortalidade.

Lembramos dos benefícios físicos e emocionais de passar um tempo ao ar livre, em áreas verdes, perto da água, do cheiro do verde e do vento.

Resgatamos nossa relação com o meio ambiente.

Aprendemos sobre ritmo vendo o por do sol, as marés, as fases da Lua. O desabrochar de um botão de flor, uma árvore florindo avisando para esperar pelos seus frutos.

Resgatamos o respeito aos tempos de processos, vendo as estações se apresentarem de maneira tão diferentes e harmônicas.

As pessoas não passam indiferentes por uma floresta e, quanto maior o tempo perto da natureza, maior nossa percepção de afinidade com ela.

O que ganhamos?

Conforto, bem estar psicológico, diminuição do stress, da raiva, aumento  da nossa imunidade, melhora do humor, melhora da saúde física, melhora a confiança e autoestima, ajuda a ser mais ativo, a “dar um tempo”, ajuda a fazer novas conexões.

Conexão com o mundo real, com o nosso sentir. Desconexão com o sistema artificial da cultura urbana. Reforça do nosso compromisso com nós mesmo, de sermos nossa prioridade, de nos cuidar e sentir o nosso caminho, propósito.

Agradecer nossa capacidade e o tempo interno de adaptação extrema ao novo que esse ano nos colocou.

Não pode ir até a Natureza? Então traga a natureza para o seu cotidiano. Cultive alimentos, cuide de flores, faça exercício ao ar livre, ou de janela aberta. Pegue um sol. Escute um áudio do barulhinho do mar, da chuva. Assista vídeos de natureza. Olhe a vista pela janela, esteja perto de animais.

Não sei se foi suficiente para ti, meu convite para fazer pausas na natureza. Mas refletir sobre esse tema aumentou mais ainda minha relação com ela.

Eu agradeço a Natureza. Eu peço perdão de tanta ganância e desrespeito ao Meio Ambiente.

 

Telma Lenzi | 26/09/2020

 

 

O suicídio é social e precisam existir outros caminhos

Mike tirou a própria vida.

No dia do seu funeral, tinha uma cesta de cartões com fitas amarelas presas neles bem na chegada, disponível para quem quisesse pegá-los.

Os 500 cartões foram feitos pelos amigos de Mike e neles estava escrito: se você precisar, peça ajuda. Foi em um mês de setembro. Assim começou o Setembro amarelo.

Como um movimento, uma grande rede de apoio disponível, uma campanha que incentivava aqueles que têm pensamentos suicidas a buscar ajuda.

Eu questiono campanhas temporárias. Precisamos de ações permanentes.

Precisamos que o suicídio seja identificado como prioridade.

Florianópolis está entre as 6 cidades do Brasil com maior número de suicídios. E o Brasil é o 9º  país com mais suicídios entre os jovens do mundo.

Não seriam números suficientes para mobilizar investimentos, políticas públicas, ampliar as redes de atenção psicossocial?

Temos um problema de saúde pública e podemos nos prevenir quanto a ele.

 

O que falta?

Talvez antes disso se faça necessário questionarmos os preconceitos, o estigma quanto à saúde mental: “suicídio é fraqueza, falta de caráter, de fé”.

Infelizmente é o que muitos ainda pensam, ou dizem.

Esse estigma não permite que as ações de prevenção sejam amplamente validadas e realizadas pelos gestores, o que dificulta a alocação de recursos. Precisamos de ações contínuas, coordenadas e de grandes redes de apoio.

Não se noticia suicídio pelo medo de causar o chamado “Efeito Werther” ou suicídio por imitação.

A Organização Mundial da Saúde, obviamente, desaconselha que a mídia exponha métodos ou processos de suicídio: para evitar que esta exposição incentive outras mortes.

Entretanto eu repenso esse temor que gera silêncio sobre o assunto.

 Os suicídios não são causados pelas notícias de outros suicídios. As pessoas que tiraram a própria vida ao ver esse tipo de notícia já tinham esse plano de fuga.

Falar sobre o assunto é extremamente importante justamente para que possamos reduzir o número de pessoas vulneráveis,  o diálogo primeiro passo.

Quebrar o silêncio, quebrar o tabú e o estigma.

Quem planeja um suicídio não quer acabar com a própria vida, mas sim com a dor e o sofrimento que faz com que este plano de fuga surja nos diálogos internos, nos pensamentos.

Todos temos este Personagem guardião do plano de fuga. Você conhece o seu?

Ele costuma dizer: “se tudo der errado vou fugir p’ro interior, p’ro mato, ser diarista em outro país, ou… vou tirar a minha vida.”

Esta voz estará sempre conosco como uma alternativa de paz no conflito máximo da vida. E ela passa a ser perigosa quando age sozinha em monólogos internos.

Quando não há outras vozes internas para, juntas, construírem outros caminhos.

Quando as vozes internas saturadas não encontram no contexto, na comunidade externa, atualizações dialógicas que possam co-construir outros cenários possíveis de viver com legitimidade nossas singularidades.

Deste ponto de vista, o  suicídio não é um ato individual, isolado. Ele é social.

O ato e as consequências estão envolvidos em um complexo emaranhado de interações.

Quem é essa dor que leva um pessoa a querer interromper a sua vida, sua convivência em seu contexto em seu mundo?

A dor de andar na linha da esteira industrial de cumprir o padrão do esperado social, algo impossível para alguns de nós.

Igualmente a dor de quem desceu da esteira, de quem vive à margem e solitário buscando construir uma vida singular. Destrói a auto estima que é construída socialmente.

As verdades são construções sociais temporárias, apenas ideias. E uma sociedade que não permite que você viva a seu modo a sua vida, mata. Se não é permitido viver, uma alternativa é morrer.

Para vivermos com bem estar, precisamos de uma comunidade que nos legitime. Precisamos de aceitação para nossas angústias, questionamentos, boas loucuras, singularidades e similaridades.

Ah! Mas a dor não acaba no ato de tirar a própria vida. Pelo contrário, se multiplica. Na família, na mãe, no pai, no filho, no amor da vida de alguém, nos amigos, enfim a dor não morre junto.

Ficam aqui as minhas perguntas para quem está pensando em tirar a sua vida neste momento:

  • Você conhece sua voz interna, o seu Personagem Interno e o seu plano de fuga?
  • Com quem internamente você dialoga e constrói suas possibilidades, os seus itinerários?
  • Externamente, onde estão as pessoas que  pensam parecido com você, sua comunidade, que você poderia convidar para conversar, participar dos caminhos desta decisão?
  • Você já foi escutado?
  • Você já lutou o suficiente pelo seu direito de viver sua singularidade, num mundo de padrões tão determinados?
  • Que ilusões e desilusões você criou na sua vida que mobilizou esta escolha?
  • Não é possível mudar as circunstâncias?
  • Mudar de profissão, trabalho, parceira(o), de método de aprender coisas novas, de vida, de país, de pele, de sexo?

Se você já tentou, pensou, viveu  estas questões e não deu, eu te entenderei.

Somos todos responsáveis.

Como podemos nos responsabilizar por práticas relacionais diferentes, com mais escuta, tempo e aceitação do outro?

Podemos gerar comunidade, gerar  intimidade e contribuir no nosso contexto, para a diminuição das discriminações, preconceitos e opressões que sofrem os que se diferenciam do padrão?

O suicídio é social. Outros caminhos precisam existir.

Telma Lenzi | 18/9/2020

 

 

 

ESCUTAR O OUTRO É ESCUTAR A SI MESMO

A fala de alguém espera por acolhimento na escuta do outro. Algo precioso na convivência, nos relacionamentos, na sobrevivência emocional, na cidadania. Ser escutado. Ser suplementado, ser validado pelo silêncio respeitoso do outro. Ser reconhecido, aceito pela presença radical do outro, que o acolhe.

A escuta das dores, aflições e sofrimentos. A escuta do imprevisível, do improvável revelando vulnerabilidades, Personagens Internos não permitidos, incoerências e humanidades.

A escuta é se aproximar e simplesmente estar. Compreender a perspectiva diferente do outro legitimando sua existência, seus sentidos e significados historicamente construídos.

A habilidade de escutar convida que renunciemos ao exercício do poder e da colonização sobre o outro. Tanto quanto permitir ao outro a autoria de suas ressignificações.

Não convida à concordância nem à discordância. Não nos obriga a dor de conviver com o muito diferente de nós. A escuta só acolhe, legitima o outro tão diferente de nós.

Porque escutar o outro parece cada vez mais raro e difícil no nosso cotidiano? Porque escutar o outro nos coloca na condição de escutar a nós mesmos.

O que escuto dentro de mim quando alguém fala algo diferente de minhas verdades e perspectivas?

A escuta do outro começa pela escuta de si — e de como as diferenças evocam e ressoam questões não formuladas em nós.

E, ao não conseguirmos ampliar a polifonia de vozes que nos habitam e que dialogam com o outro, tendemos a simplificações preconceituosas e de micro violências: ele está errado. Ela tem que mudar. Eles devem pensar diferente.

Logo, escutar é aprender sobre si mesmo. Aprender sobre si mesmo é perder- se de si mesmo, de seus condicionamentos. E, no perder-se de si mesmo, de nossas verdades limitantes, nos encontramos em nossas humanidades, vulnerabilidades, para estarmos com o outro, para estarmos no mundo.

O silêncio na escuta nos ajuda a responsividades mais gentis,  evitando Personagens Internos  prontos para sentenciar julgamentos. Nos permite escutar também o que o silêncio do outro, está querendo nos dizer.

No silêncio as emoções reverberarão encontrando ressonâncias comuns entre quem fala e quem escuta. No silêncio também as palavras do outro reverberarão no outro e ele poderá escutar a si mesmo contando de si.

E escutar a si mesmo falando de si, para alguém que nos escute radicalmente já é generativo e transformador.

Ah! Escutar é uma arte para viajantes curiosos e corajosos.

Compartilhar escutas é estar em diálogos. E, sem dúvida, o melhor entretenimento são as boas conversas.

E quando perdemos essa capacidade, outras formas de distração ganham espaço e somos manipulados pela cultura do consumo de bens, drogas, roupas, imagens, sorrisos para fotos, ou palavras vazias.

A escuta é um ato político revolucionário.

Precisamos dizer não as tentativas de sermos colonizados e colonizadores de pessoas e corações.

Telma Lenzi | Setembro 2020

 

 

 

 

 

 

 

Hoje é o Dia da Psicologia

Hoje faz 54 anos que a Psicologia é profissão no Brasil.

Eu sou graduada em Psicologia há 38 anos. Meu CRP é 12/165. Sou da primeira turma da Psicologia da UFSC.

Vi e vivi muitas realidades sobre o que é ser Psicóloga e qual a prática legitimada pela nossa cultura.

Já foi só para os loucos e para os ricos. Hoje está mais democratizada e ao acesso de muitos.

Nossa ONG Assim (Associação Instituto Movimento) tem participação nessa desconstrução.

Já pertenceu ao lugar dos Especialistas, donos dos saberes e das teorias generalizantes que designavam os certos e errados para que as pessoas caminhassem seguindo as regras sociais para pertencerem a um certo conjunto de normas socialmente construídas.

E o que se fazia com os desencaixados, os desajustados, as minorias, os diferentes e surpreendentes?

Eram encaixados em rótulos diagnósticos para pertencerem a algum grupo: os muito sensíveis viraram deprimidos, os inquietos criativos, rotulados de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH – e, mais atualmente, os muito diferentes estão no grupo do Transtorno do Espectro Autista – TEA.

As pessoas tinham problemas ao não se encaixar na cultura e os Psicólogos estavam a serviço do sistema para manejar esse ajuste.

Questionei sempre e questiono o saber dos Especialistas no outro. Sabemos de nós, sabemos de teorias, mas do outro sabe o outro.

E neste caminho, a Teoria Sistêmica que eu seguia fez a virada pós moderna e, com ela, vieram as Práticas Colaborativas, que é onde me encontro hoje.

Hoje não acreditamos mais que as pessoas tem problemas em não se adaptar a cultura. Faço a pergunta contrária:

O que o contexto, a  cultura daquela pessoas,  contribui para o mal estar dela?

Somos todos diferentes e generalizações geram mal estar, exclusão, opressão e violência.

Somos singulares e o normal não cabe em todos. O diferente merece respeito.

Então o que faz a Psicologia atualmente? Será que exerço a Psicologia?

Sou, sempre serei graduada em Psicologia.

Mas não atuo como tal. Não faço teste, avaliações, perícias. Nem aplico métodos científicos para compreender a mente humana.

Eu sou sim, uma Terapeuta. Uma Terapeuta Dialógica Colaborativa. Com atuação não exclusiva da Psicologia.

  • Eu facilito encontros e conversas transformadoras e acredito no potencial generativo dos diálogos;
  • Eu acredito nas respostas, nos caminhos que tenham significados na singularidade de cada cliente, cada ser humano e não nas teorias e generalizações sobre as pessoas;
  • Acredito na força das comunidades e nas verdades locais, para que o diferente e singular possa pertencer;
  • Construo, em colaboração com meus clientes, os caminhos que eles validam pelo bem estar que sentem. Eles são os especialistas nas suas vidas.
  • Não há um certo, uma verdade absoluta, um saber a priori sobre a situação, sobre o outro.

A Terapia Dialógica Colaborativa nos coloca lado a lado com nossos clientes no lugar da nossa vulnerabilidade e convida a crescermos juntos.

Que presente! Bem estar ao alcance de todos – e de mim mesma – é o meu propósito.

Feliz dia a todos os graduados em Psicologia  que foram muito além do arsenal de técnicas e vivem com coragem e vulnerabilidade os verdadeiros encontros dialógicos humanos. Que acompanharam as mudanças sociais e se atentaram ao que nossos clientes buscam em nossas práticas terapêuticas.

Meu respeito a quem pensa diferente de mim.

 

Telma Lenzi | Terapeuta Dialógica Colaborativa | Agosto 2020

 

 

 

 

 

Dia da Gestante

Precisamos dar voz e amor ao corpo da mulher. Em toda a sua beleza e complexidade. Respeitar o lugar do sagrado feminino na nossa cultura.

Sim nosso corpo sangra, às vezes mais de uma vez por mês. Temos esses dias de menstruação, às vezes de baixa produção. E engravidamos. E amamentamos. E seguimos cuidando das nossas crias. Com isso garantimos a continuidade da espécie.

Realidade pra ser honrada e enaltecida.

Mas infelizmente na prática de uma sociedade capitalista, machista, com foco na produção e competição não é o que acontece.

O problema está no corpo da mulher ou no contexto?

Qual o lugar da mulher pra você?

Por que mulheres ainda ganham menos que os homens?

Porque são consideradas em relações desiguais?

Porque existe e aumenta a violência contra a mulher, o sexismo, o feminicídio?

Deixo o convite para pensarmos sobre esse descaminho que a história fez com o lugar do Feminino.

Feliz dia da Gestante!

Telma Lenzi | 16 agosto 2020

O CINZA É SÓ UMA COR. O RESTO É PRECONCEITO.

Os cabelos cinzas, azuis, rosas, brancos, loiros, castanhos, pretos, ruivos são todos lindos e você pode escolher sua cor. Qualquer cor.

Eu estou escolhendo a minha. Assumir meu cinza natural é um direito. É dizer não aos padrões impostos em uma sociedade machista. É uma quebra de um padrão estético.

Um padrão imposto pela sociedade de que toda mulher precisa parecer eternamente jovem e ter os cabelos de uma certa cor e forma considerada ‘natural’, mas totalmente artificial, para ser vista como bonita. Cansativo isso!

Cabelo liso não é o único bonito. Cabelo longo não é ser mais feminina. Cabelo colorido artificialmente não significa mais profissionalismo. Ter valor não é ser eternamente jovem.

Homens grisalhos são charmosos.  E mulheres grisalhas é sinal de envelhecimento, desleixo? Então mulheres não tem  direito aos seus fios naturais?

Poder se agrisalhar publicamente é um processo de autoconhecimento e aceitação. O cabelo vira uma ferramenta para você se descobrir e se aceitar cada vez mais. É um processo de dar voz a própria liberdade.

Os brancos e  grisalhos, fazem parte de um movimento de empoderamento feminino importante. Sim, mulheres podem deixar seus cabelos viverem naturalmente e celebrar seus fios brancos.

Parece tão óbvio, mas essa libertação feminina está dando o que falar. Trás uma mensagens não facilmente aceita de incômoda quebra das verdades impostas, também de personalidade, luta, resistência, estilo.Uma declaração de que a feminilidade vai além da cor do cabelo sendo a negação ao poder da preferência majoritária masculina, entre outras coisas mais.

A caminhada em busca do empoderamento pessoal feminino é longa, difícil, cheia de comentários e olhares tortos a cada esquina:

– Te envelheceu!

– Não te favoreceu!

– Vamos ver quanto tempo tu aguentas!

Mas também cheia de sororidade:

– Tá linda!

– Que coragem, poderosa!

– Também vou deixar os meus fios livres!

Sim, livres. Essa é a palavra que mais define o processo: Sentir-se livre. Livre do salão de beleza. Livre de padrões impostos. Livre pra ser mulher do meu jeito.

Aos poucos a gente vai percebendo que um fio branco é só um fio branco, que cinza é só mais uma cor, que envelhecer é um processo que infelizmente alguns não viverão para ver e que velhice é um estado de espírito prisioneiro aos padrões culturais.

Agradeço as vantagens da maturidade dos meus 61 anos que celebro hoje.

Rir de si, se experimentar, ser mutante, imprevisível, coerente, incoerente,  e sempre, sempre escolher por estar incondicionalmente ao meu lado e não ao lado de quem me olha torto.

Saber quem sou, minha potência e vulnerabilidade, e que com certeza não agradarei a todos com o meu jeito de estar no mundo, é o melhor presente deste novo ciclo que inicio.

 

Telma Lenzi | 14/07/2020